Foto: Sebastião Salgado
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Há um componente subjetivo nas
fotografias. Barthes chamou esse componente de punctum. Ele diz que há nas
fotos algum elemento que nos afeta, que nos toca, que nos fere. Esse elemento
pode ser os sapatos de uma pessoa, o chapéu de outra ou qualquer coisa que
esteja na foto e nos hipnotize o olhar.
O punctum é individual, cada espectador
é afetado de maneira diferente por ele. O chapéu na cabeça de um homem pode ser
o punctum para um espectador, como também pode não ser para outro que tem o
olhar voltado a outro elemento que lhe toque. Cada um pode-se dizer, confere um
significado íntimo às fotografias que vê, imprimindo-lhe sentido através das
coisas que lhe fere, que lhe toca, que lhe afeta mais do que outras.
Quando vi pela primeira vez a fotografia
que ilustra esse post de Sebastião Salgado, uma coisa presente nela me tocou
profundamente.
O que me afetou, ou seja, o meu punctum?
São os indivíduos no primeiro plano. Há neles algo contratante que me sugere a
ideia de sociedade e das injustiças flagrantes que a caracterizam. Um dos
homens está quase nu. É despossuído, um flagelado, uma vítima da sociedade de
classe. O outro veste as insígnias do Estado (Bota, farda, quepe e o sempre
muito persuasivo cassetete) que oprime e tenta controlar o individuo
insubmisso.
Mas há algo mais na foto que me afeta. A
posição do fotógrafo no momento de fazer a foto. Ele se posiciona de maneira a
dar dignidade ao despossuído. Ele o flagra de baixo pra cima e faz isso bem no
momento da reação contra a agressão do "Estado", entenda-se do
policial. Há na foto uma força metafórica que explicita de maneira ilustrativa
o que é a sociedade que vivemos e como ela age contra aqueles que ousam
desobedecê-la. Há também uma mensagem de esperança de que é possível lutar
contra, mesmo quando você parece privado de qualquer bem capaz de reagir à
altura: resta-lhe a coragem e a força de vontade.
Está é uma foto em tudo excepcional. Por
isso, desde já, ela é uma das minhas prediletas.