O indiferença dos vereadores de Caetité ou como os homens exercem seus podres poderes

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Olhando displicentemente pela janela do meu apartamento vejo, uma paisagem que era rara há alguns anos. Espalham-se pelo horizonte placas de ALUGA-SE nas casas, prédios e imóveis, até aonde minha vista pode alcançar. Não sou nenhum economista. Tenho certa dificuldade em operar os números. Mas imagino que esse cenário sugere uma desidratação na economia local. A debandada das empresas com contingentes enormes de homens também deve ter afetado os cofres públicos. As razões são óbvias. Por sua vez esses reveses também devem ter atingido de forma negativo o comercio – grande fonte de recursos tributários para o município. Como são praxe nessas ocasiões, os patrões, pensando na saúde financeira de seus empreendimentos, devem ter cortado a um número mínimo os seus funcionais. O impacto dessa desaceleração deve ter atingido todo mundo. Porém, aos vereadores de Caetité não é suposto que estejamos vivendo um momento que pede dos políticos serenidade e respeito, além de ações eficientes no estancamento dessa sangria econômica. Com menos de um mês após as eleições, com uma desfaçatez nunca antes vista, eles têm a cara de pau, em meio a esse cenário de terra arrasada, votarem um aumento salarial vultoso que contempla única e exclusivamente os seus próprios interesses. Alguém aí avise aos digníssimos senhores do legislativo que há uma crise em curso no país e que ela está vitimando gente. Ou eles pensam que ainda estamos no período das vacas gordas? Saiam de seus gabinetes excelências.

A farra com o dinheiro público

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Imaginem que em meio a uma crise sem precedentes no país, os vereadores de Caetité votaram, em sessão pra lá de controversa, um aumento vultoso em seus já nababescos salários. Fazem isso, enquanto estoura demissões de trabalhadores no município feito pipoca na panela quente. E em vez de ajudarem o povo a superarem essas dificuldades, os digníssimos vereadores preferem agirem em causa própria. Dão assim um vergonhoso exemplo de como são insensíveis aos dramas de pais e mães, que têm que conviverem diariamente com o terror do desemprego. Viram as costas àqueles que deveriam defender e mostram-se sem vexame diante da situação financeira do município. Sinceramente senhores, vocês não são dignos do posto que ocupam.

Uma nova descoberta.

Depois que ingressei no Instagram descobri um mundo novo para fotografia. Nele encontro todos os dias o trabalho de grandes mestres. O mais recente achado foi o trabalho do Americano Alex Webb. São surpreendentemente simples e belas as suas imagens. Elas me fizeram pensar as minhas próprias imagens, com tudo o que tenho ainda para aprender. Por exemplo, percebi com ele que, devemos dar a máxima atenção às sombras na composição de uma foto, quando se quer extrair dela mais do que um simples registro banal. E mais, é possível contar diversas histórias em uma única imagem, tomando o devido cuidado e mantendo a sensibilidade, para não poluir demais a foto com motivos que não estejam em equilíbrio.

Antônio Carlos Viana


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Téo Júnior me acordou hoje com a triste notícia, de que aquele que tantas vezes nos foi o motivo de encontros felizes, nos deixou hoje. Partiu o escritor sergipano Antônio Carlos Viana. Embora ele não tenha sido um escritor de grandes multidões, assim mesmo deixou-nos um conjunto de contos que, se mostram indispensáveis a quem queira apanhar, mais do que sorrisos bobos com a literatura. Além de seu legado literário, ele também nos deixou o bonito exemplo de uma vida dedicada à docência. Ainda enquanto buscava um lugar ao sol na literatura, Viana passou a vender, na frente de uma escola, cachorro-quente, para conseguir o dinheiro e o tempo que o permitisse fazer o sonhado curso de letras. Nos intervalos de atendimento, entre um cliente e outro, ele lia, incansavelmente, todos os grandes mestres da literatura e assim se preparava para o cumprimento de seu tão desejado sonho. Hoje que se comemora o dia do professor e os professores reclamam direitos e o governo manda sobre eles os cães como se de vulgares bandidos se tratasse, quis o destino que o melhor de nossos exemplos de resistência e luta deixasse-nos. Chora assim duplamente a literatura que perde um de seus melhores mestres e a docência que deixa de contar com a mais digna das vozes de oposição ao descaso. Descanse em paz Antônio.

Sobre a proibição da vaquejada pelo STF

É interessante a leitura da discussão. Nela percebemos que ainda albergamos em nós o pensamento evolucionista, que se pauta na ideia de que antes vivíamos num estágio inferior e agora, com as novas práticas subimos um degrau na evolução. Penso que isso é muito pretensioso. Mas é comum. Ensina-nos a história, que as comunidades de um determinado tempo se acham acima das demais e se sentem superiores as que a antecederam.

Se as práticas culturais existem, isso se deve ao fato de que elas servem para cumprir, em determinadas comunidades, papeis simbólicos que permitem a sobrevivência dos grupos sociais a ela vinculadas. Não se trata de primitivismo.

Além disso, falamos com desprendimento dos costumes alheios como se parte dele fizesse, e por isso podemos condena-los e inferiorizá-los. Agiram de modo semelhante os primeiros antropólogos que visitaram uma comunidade no pacífico que mantinha, aos olhos dos expedicionários, uma prática primitiva de confecção de totens. 

Cada agrupamento da ilha mantinha um totem como símbolo de seu grupo. Um era peixe, outro era ave... O tabu imposto pela tradição impedia que homens de um determinado grupo tivessem relação com as mulheres que cultuavam o mesmo totem. Logo, os doutos cientistas sociais, querendo integrar aqueles homens “primitivos”, num novo mundo, onde as superstições haviam sido abolidas, se encarregaram de destruírem os totens. 

Marcel Mauss vai dizer mais tarde que aquela intervenção precipitou o fim da comunidade. Os totens de vários grupos tinham funções de evitar os laços consanguíneos, que numa comunidade pequena era a salvaguarda contras as doenças, porque agia para fortalecia a variação genética que permitia a perpetuação dos vários grupos. 

“Não há”, dizia Claude Levi-Strauss “costumes que sobrevivam sem motivos”. As práticas de uma determinada sociedade, por mais brutais que pareçam, servem a propósitos comunitários e sociais, que nem sempre percebemos a razão. Essas práticas estão quase sempre associadas à ideia de iniciação. Creio que não compete a nós dizer aos outros os que são melhores. 

“Nas sociedades primitivas”, escreveu Joseph Campbell “dentes são arrancados, dolorosas escarificações são feitas, há circuncisões, toda sorte de coisas acontecem, para que você abdique para sempre do seu corpinho infantil e passe a ser algo inteiramente diferente. Quando eu era criança, nós vestíamos calças curtas... calças pelos joelhos. E chegava então o grande momento em que você vestia calças compridas.” 

As mutilações fazem parte de ritos de iniciação que integram as crianças ao mundo dos adultos. As mutilações têm portanto uma função, não são meros atos bárbaros. Em nossa sociedade os ritos de passagem foram abolidos ou edulcorados, não ajudam mais as pessoas a se “relacionar com o mundo, ou a compreendê-lo, para além do meramente visível.”. O resultado é que as crianças, escreveu Campbell, não sabem que já são homens e precisam abandonar as criancices. Crescem como os jogadores de futebol, infantilizados e imaturos. Ou como as madames, presas da propaganda cosmética, que iludem as velhinhas com a promessa da eterna juventude. 

No extraordinário ensaio sobre a arte da tauromaquia, o antropólogo francês Michel Leiris, diz que o espetáculo brutal da luta do homem contra o touro na arena ocupa aquele lugar de revelação de experiências cruciais que esclarecem partes obscuras de nós mesmos.  A luta e a matança do touro opera desse modo uma purgação que aplaca os picos de febre sem que o homem tenha que recorrer, para se exteriorizar, seja a uma via explosiva, seja a um disfarce utilitário ou racional das vias reais. 

“Mas em nossos dias”, escreveu o antropólogo, “não é mais possível encontrar escape confessável para tais impulsos... Daí o tédio, a impressão de vida castrada, a tal ponto que, aos olhos de alguns, as conjunturas mais catastróficas podem parecer desejáveis, uma vez que ao menos teriam o poder de colocar em jogo a totalidade de nossa existência.”. 

Trouxe esses exemplos de "brutalidade" cultural para mostrar que eles existem por que cumprem funções nas sociedades que as criaram. Aboli-las, pareceriam a nos que não fazemos parte dessa realidade, a coisa mais sensata a se fazer. Porém, isso implicaria um dano a elas que ameaçaria a sua sobrevivência. Como aconteceu com as comunidades do pacifico que foram vítimas das melhores intenções ocidentais. 

Temos que ter cautela ao nos pronunciamos sobre realidades que nos são “estranhas”. No campo cultural o que nos parece insensato funciona muitas vezes, como uma peça da grande engrenagem que sustenta um todo social. 

A vaquejada, que alguns dizem querer não ter existido, cumpriu um importante papel na consolidação e expansão da interiorização do país. Ajudou a criar e diversificar as manifestações culturais a ela vinculadas e esteve presente nos processos de socialização dos grupos migratórios que foram tangidos de seus lugares para outros. Reunidos entorno de uma prática comum os nordestinos dispersos pelo país encontraram na vaquejada um elemento de socialização que lhes garantiu por muito tempo a resistência cultural. 

Isso posto é preciso dizer também que não se pode ignorar o fato de que novos tempos pedem respondas diferentes às necessidades sociais. Hoje já não se tolera tanto a brutalidade. Além disso, talvez a vaquejada não seja mais tão importante ao conjunto da sociedade que a sustentou por tanto tampo. Cai-se então a resistência e a importância que ela tinha para tantos. Novas necessidades impõem-se. Outras vozes não contempladas pela cultura do couro de boi e do vaqueiro também pressionam pelo fim de uma cultura que representa os padrões de uma sociedade que urge ser alterada as suas fronteiras.