Lições Americana



Dizem que as bibliotecas nas universidades americanas funcionam 24 horas por dia. Mesmo que ninguém esteja nelas, elas lá estão esperando quem queira delas tirar proveito. Há anos os americanos descobriram aquilo que a gente parece distante de saber; que bibliotecas não são lugares para depósito de livros. Depois da revolução feliz que foi a criação da rede de bibliotecas públicas que mudou o país - mais poderoso do mundo - estas instituições, passaram a ser pensadas também como lugares festivos, onde se pode estar a lê e gestar um mundo novo. Quando apanharemos essas lições? Penso que esse tempo está longe. Sim porque o que poderíamos apanhar de bom não apanhamos, mas sobra interesse nas futilidades e quinquilharias que eles produzem. 

Martine Franck

Foto: Henri Cartier-Bresson - As pernas de Martine, 1967.
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Martine Franck. Eis um nome. Descobri hoje este nome. Não sei como ele me escapou durante tanto tempo. Explico. Martine Franck foi a companheira de Henri Cartir-Bresson. Ela viveu com ele até a morte dele em 2004. Ambos foram fotógrafos e exerceram com igual maestria a nobre arte de plasmar instantes.  Ambos estiveram envolvidos em trabalhos que tinham como tema um ao outro. Mas coube a H.C-B. o lugar de eminência parda no mundo da fotografia. Ninguém que leve a sério o estudo da arte pode mesmo ignorar as suas estimadas contribuições.

Há anos estou envolvido no estudo e na apreciação da fotografia. Por esse tempo, Bresson esteve sempre presente nos textos, blogs e livros que ando lendo sobre o tema. Porém, o nome de sua companheira, nunca, antes de hoje, havia atravessado o meu caminho. Parecia que ela não existia. Foi em mais uma incursão por nomes de relevância no cenário fotográfico, que encontrei casualmente o nome de Martine Franck e pude assim finalmente encontrar a fonte do talento de Bresson. 

De cara sentir como se tivesse dado o primeiro passo para compreensão daquilo que julgava saber, mas estava enganado. Não sei nada sobre fotografia. Menos ainda sobre os grandes nomes dessa nobre arte. Apresso-me pois, para saber mais sobre Martine e assim parar de fazer figura de parvo por julgar com lupa tão míope um universo tão grande e variado.

Descubro que ela foi versátil em seus temas. Começou por cultivou o abstracionismo e o surrealismo. Dedicou-se, mais tarde, àquilo que se chama fotografia de rua ou fotojornalismo. Neste gênero demonstrou uma visão enternecida da realidade. Ainda mais caprichosos são seus registros no gênero retratista. Aqui ela transpôs as lições do retratismo ambiental de Arnold Newman e estabeleceu indubitáveis relações entre a pessoa retratada e o ambiente que mais a caracterizava. Veja a propósito o seu retrato de Foucault ou o registro do fotógrafo Paul Strand.


Foto Martine Franck - Michel Foucalt, 1978, Paris.
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Foto: Martine Franck - Paul Strand

Sobre esta série de retratos merece também destaque, os seus flagrantes do marido em ambientes bucólicos e idílicos, parte de uma nova fase do fotógrafo que deixou a máquina para se dedicar no fim da vida a pintura.

Ainda tenho muito caminho para percorrer. Devo essa lição a descoberta de Martine Franck, que me destituiu as certezas sobre o que conhecia e instaurou em mim o desejo de continuar perscrutando os mestres e suas divinas criações.  

Foto: Martine Franck - H.C.Bresson.
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Foto: Martine Franck - H.C.Bresson.


Mentes doentias

Há algo de doentio no fato de alguém ver imoralidade em tudo. Algo de muito perverso e perturbador se passa na cabeça de alguém que entende que o nu com fins a expressão artística é merecedor de reprovação.

Ao fim e ao cabo o que se passa mesmo é que quem assim age manifesta em si uma mentalidade reprimida fruta de uma experiência de vida limitada pela visão tacanha das potencialidades de um corpo.

As manifestações desse puritanismo estão por toda parte. Nos EUA quando foi lançado o álbum: Is This It dos Strokes a capa trazia uma surpreendente e insinuante imagem, de uma mulher que tinha sobre as nádegas uma mão pousada com uma luva preta. A foto é um primor, pelo que tem de sugestivo. E em arte a sugestão é tudo.


Tamanha ousadia foi tudo o que bastou para que os puristas se insurgissem contra o CD. Na tiragem seguinte do álbum, a capa original foi substituída por uma imagem inócua, porém, muito mais tranquilizadora das consciências moralizantes que vigiam o que podemos ou não ver.

Nos jardins de Garduño

Foto: Flor Garduño.

Encantam-me os trabalhos da fotógrafa mexicana Flor Garduño. Tenho um dos seus livros de fotografia bem à vista na minha estante. Ele está lá onde à mão pode alcança-lo com um simples esticar de braços. Tanta devoção se deve ao fato de que essa obra, que não canso de gastar os olhos, me põe, constantemente, a pensar, como são belas as coisas do mundo. Especialmente o feminino nelas.

No livro FLOR (é este o título da obra, homônimo da autora) podemos ver mulheres desnudas: cercadas, enfronhadas, carregando ou embrulhadas por flores. Tomadas apressadas as imagens poderiam dizer pouco. Porém, se pararmos para pensar que, a arte é um veículo que nos solicita a ultrapassagem dos significados imediatos para alcançarmos outros, as flores podem então, serem tomadas, por uma mensagem simbólica, que nos remete a beleza feminina e ainda, pelo fato de murcharem depressa, também podem sugerir a inconstância e efemeridade da vida.

Tenho ou não razões de apreciar o trabalho dessa mexicana?