Brandos costumes

Foto:   Ernst Haas


Ligo a tevê e ouço aos berros alguém dizer: “nós vamos descer o pau”. É o presidente de um sindicato, ameaçando um prefeito e os usuários de um serviço de transporte, do qual ele é contra. Mudo de canal. Dou com a notícia de que o filho de um ex-presidente, sugere em uma rede social que “o país vai pegar fogo” se o seu pai, que é hoje alvo de investigações sobre suposto favorecimento em negócios com empreiteiras, que estão sobre acusação de desvios de recursos públicos, continuar sendo investigado. Não suporto o que vejo e corro a outro canal. Aí encontro, possesso, um apresentador, falar estridentemente aos seus espectadores que, “bandido bom é bandido morto”. Fala isso, enquanto uma enquete, em baixo do vídeo, mostra os números de espectadores que concordam com ele subindo sem parar, na frente dos que esmorecem desencorajados pela pergunta, se são contra ou a favor das ideias tresloucadas do jornalista falastrão. Desisto da tevê. Vou à escola e encontro amigos professores que também não se constrangem mais em afirmar coisas, que há tempos achava superado pela posição que eles ocupam. Muitos pedem a expulsão de alguns alunos e dizem com todas as letras que alguns “não têm jeito” ou que estão ressentidos por não “poderem dar às crianças aquilo que os pais não deram: peia”. Ouço, leio e vejo todas essas barbáries e dou graças a deus que ainda bem que o poder dessas pessoas não está à altura de suas vontades, porque de outra sorte, o mundo seria um lugar dantesco, com gente a bater com paus em seus desafetos, queimar pessoas em desacordos com suas opiniões e castrar crianças por serem crianças e darem trabalho como as crianças costumam dar.  

As novidades literárias não param de chegar às livrarias

Todos os dia alguma novidade literária desembarca nas livraria, inflacionando ainda mais as boas opções de leitura disponíveis aos leitores. No entanto, não falta quem invente desculpas para não ler. Estou cansado de ouvir de alguns que, não lê porque “não tem opções cativantes”, “faltam novidades”, “é tudo sempre igual”, “desconhece os novos autores”.  Em que mundo andam as pessoas? Para onde olham quando querem mesmo buscar uma boa leitura? Penso que para o lugar errado. Voltasse os olhos para fora das tevês e das revistas do jet set, por alguns instantes, veriam um mundo novo em que as novidades superam o luxo dos cenários, das roupas e dos penteados dos artistas que tanto os mesmerizam. As novidades literárias, não param de chegar às livrarias, só os leitores não deram por isso. 

A fotografia e seus múltiplos temas

Foto: Imogen Cunningham

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Parece não haver um tema, que não tenha sido visto com interesse, pela fotografia. Ao estudar os trabalhos dos grandes fotógrafos nos deparamos com a seguinte constatação: durante o percurso de formação, eles vão apurando o estilo e perseguindo um tema, que os entusiasmam mais do que os outros, e assim formam o seu caráter fotográfico. Não é raro, porém, encontrar fotógrafos que nutrem mais interesses e alarguem seus temas a horizontes mais dilatados. Estes não concentram o seu foco de interesse em um único objeto. Inquietos que são estendem suas lentes a múltiplos pontos. Fazem isso muitas vezes movidos pelo germe da curiosidade de saberem como seria alterar códigos inexoráveis. Veja-se a propósito, o caso da americana Imogen Cunningham (1883-1976). Ela iniciou o seu percurso fotográfico fazendo estudos químicos sobre os processos de revelação. Era uma expert nessa área. Os estudos foram financiados com fotografias de plantas, para o departamento de botânica da Universidade de Washington em Seattle. Desse impulso inicial, movido pela necessidade, ela refinou o seu estilo, tomando um novo interesse nos estudos das texturas, das formas e das variedades de flores, especialmente a magnólia. A fotografia botânica que surgiu daí acabou por aliar a curiosidade científica com a expressão criativa de uma verdadeira artista. Após as flores, vieram os interesses no corpo humano. Em 1915 ela casou com o artista Roi Partridge, juntos eles exploraram os terrenos da natureza e do corpo humano. São famosas as suas imagens de Roi Partridge. Logo, não tardou que seu novo objeto de interesse passasse a ser alvo de estúpidos. A censura, imposta pela opinião pública da época, a fizeram engavetar os negativos de uma série de nus no deserto que realizou com um modelo contratado para exposição de sua lente. Depois desse trabalho, ela focou as suas fotografias nas mãos de grandes músicos e artistas. Esse último tema a levou à revista Vanity Fair. Como vemos os temas que apaixonam um fotógrafo podem ser múltiplos. Imogen Cunningham passou para história da fotografia com seus deslumbrantes close-up de flores. Mas junto a esse requinte, não lhe faltou sensibilidade, para encarrar as formas humanas em poses e gestos que a sensibilidade tacanha de alguns patuscos não foi capaz de suportar. Ela continuou a fotografar e a ensinar a sua nobre arte, até pouco antes de sua morte aos 93 anos em 24 de junho de 1976 em San Francisco.

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 Foto: Judy Dater (1974). O flagrante é de uma aula de Imogen Cunningham sobre nu artístico. Essa foto foi o primeiro nu frontal a ser publicado na revista Life.

Das trincheiras

O facebook tem me provado que, para ser-se intolerante e estar enfurecido com os outros, não é necessário habitar zonas de conflitos e assentar-se em trincheiras diferentes. Basta antes, encontrar alguém que, em desacordo com as cores que você escolheu, para ilustrar o seu perfil, teime em lhe dizer quais as melhores para colorir. Não entramos em acordo nem para permitir a liberdade de escolha de cores pessoais, como vamos fazer um mundo diferente?

De asno então...

Foto: Cristina Garcia Rodero, s/d.
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"Antes asno que me carregue que cavalo que me derrube"  Gil Vicente

"A NÓS A LIBERDADE" - Um filme injustamente esquecido e que deveriam conhecer.

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Esse não chega a ser um filme injustamente esquecido porque na verdade ele nem chegou a ser lembrado algum dia. O mais justo então seria alterar a legenda para: um filme desconhecido e que todos deveriam conhecer. E por que todos deveriam conhecê-lo? O que o faz tão especial que mereça ser arrancado das sombras e vir à lume. Talvez o fato de ser uma obra pioneira na crítica à vida burguesa, que faz do trabalho e da mecanização dos processos de produção, na vida moderna, uma fórmula de alienação e de automatismo do indivíduo em sociedade. Mais aí vocês me dirão que isso não chega a ser nada inovador, Chaplin andou a frente desse projeto e saiu na dianteira, com o genial Tempos Modernos. Ai reside um pequeno engano. Tempos Moderno, incontestável obra prima do realizador inglês, é na verdade, não um plágio, mais uma obra que está cheia de coincidências com o filme de René Clair.

JÁ VAI CEDO

Foto: Téo Júnior por ele mesmo.


Após 40 anos, “Playboy” brasileira deixa de circular

Por. – TÉO JÚNIOR

Esses últimos anos não têm sido fáceis para o mercado editorial brasileiro por n motivos. Destacaria o pouco investimento em propaganda, a ausência de incentivo governamental de mais impacto, a preguiça dos brasileiros para ler (me acuda, Sílvio Romero! Estamos na média de 1,5 livro por ano para cada pessoa; um escárnio!), a desimportância que os livros e jornais tem na vida da maioria das pessoas, incapazes que são de dar 30 contos num Saramago porque “é muito caro” e a facilidade da internet como meio que, gratuitamente, substitui o papel.

É bom frisar que nem todos os bons livros estão disponíveis na rede. E os jornais só liberam parcialmente suas matérias, e não todo o conteúdo, para não-assinantes.

Um amigo me falou, outro dia, que eu gosto das coisas físicas. Tem toda razão. Não tenho paciência para ler nada em PDF (já me basta meu trabalho cotidiano que consiste em eu ficar horas seguidas na frente de um computador, baixando a barra e subindo; uma amiga, quando tomou meu notebook emprestado, à minha revelia baixou “Cinquenta Tons de Cinza”, que adorou. Não li porque estava ocupado com as memórias de Bruna Surfistinha, uma vagabunda, pois sim) e evito ao máximo ouvir música em pen-drive, ver filmes em Youtube ou baixados de internet (uma exceção foi “O Bebê de Rosimary”; cometi a loucura de assisti-lo numa noite insone, 3 da madrugada). Como sou bastante fã de Gutemberg, ainda prefiro ler no papel. Também gosto mais de ver filme em DVD e depois guardar na estante. Nada substitui, para mim, folhear um livro, virar a página, ler na cama ou manusear um disco e a ficha catalográfica. Abrir a caixa do Submarino (com a faquinha de mesa) com livros da Black Friday, então? Um orgasmo.

Recentemente, uma grande editora teve de fechar as portas porque os lucros não estavam compensando o alto investimento nos livros, cujo catálogo é composto por gente da envergadura de Paz e Tolstói. Um dos últimos foi a extraordinária biografia de Michelangelo. O dono preferiu encerrar a empresa a baixar o nível de suas publicações, como seria a reação natural em momento de desespero econômico, com uma folha de pagamento para cobrir. Ao justificar o fim da Cosac Naif, o proprietário disse que “não queria comprometer seu passado e sua história”. Fez muito bem. Preferiu encerrar a empresa a cogitar a possibilidade de jogar no mercado biografias que certamente poderiam alavancar as vendas (quem sabe salvar a empresa?) de figuras como Claudia Leitte, Ivete Sangalo ou Luan Santana – mas sem qualquer valor intelectual ou minimamente relevante. A vida de Wesley Safadão ao lado de Bertolt Brecht? Numa edição de luxo? Capa dura? Sem chance. Ou então recorrer àquelas publicações infantis, mas para adultos, que consiste em fazer coisas estúpidas tipo “Destrua Este Diário”. “Nesta página, coloque a cera de seu ouvido – ela é parte de você, sua companheira”; na outra, “cole um pedaço de sua unha”; “esta página você rasgue, para se desapegar das coisas”; “já esta você rasgue e amasse com toda força, para descarregar o ódio que você sente de seu chefe” e por aí vai. Melhor encerrar. Ninguém é obrigado.

A Planeta, nestes últimos anos, vem editando a autobiografia de Edir Macedo; até o momento estamos no vol. 3. Como dizem os crentes, uma bênção! Best-seller. Através de seu império chamado Igreja Universal, Edir tem a oportunidade de divulgar sua obra nos quatro cantos do mundo. Ensina como converter pessoas e como, barnabé do setor de loterias, portanto assalariado, teve a bendita ideia de fundar uma igreja onde, antes, funcionava uma funerária. Se “Nada a Perder” tivesse saído pela Cosac, a editora talvez pudesse se manter mais um tempo.

No campo das revistas, a tristeza não é menor. Uma ausência sentida foi a de “Bravo!”. Uma publicação linda, bem-feita, mas que se tornou um calcanhar de aquiles para a editora. A Abril estava, com a melhor publicação de cultura do Brasil, “vendendo o almoço para pagar a janta”, como se diz. É público e notório que quando uma revista ou um caderno de jornal precisa ser fechada (o), para conter gastos, é para a cultura que a tesoura se volta primeiramente, e não para o ramo de veículos, casa & jardim ou celebridades. O indivíduo pode perfeitamente ficar sem saber a última cotação de um quadro de Van Gogh ou um texto inédito de Virginia Woolf, pode passar o resto da vida sem conhecer a biografia de um pintor extraordinário chamado Raimundo de Oliveira, mas é imprescindível que ele saiba que Claudia Raia está de dieta ou Cauã Reymond arrumou uma namorada nova. Nada posso fazer, a não ser lamentar tudo isso. Tomara que “Bravo!” volte um dia. Parou na edição 192.

“Bravo!” não circula mais. “Contigo”, porém, está aí, firme e forte.

 O FIM DE “PLAYBOY” – Não sei se estou escorregando no óbvio ululante – alô, Nelson! –, mas “Playboy”, cuja derradeira edição circulou até 10 de janeiro, não é – nem nunca foi – apenas uma revista de mulher pelada. Trata-se de uma publicação de alto nível cultural, séria, com entrevistas com gente que tem o que dizer e um elenco de repórteres e cronistas de primeira linha, dentre os quais eu destacaria Ruy Castro, Ivan Lessa e Mario Prata. Mesmo após a invasão dessas meninas nível “BBB”, a “Playboy” não escorregou ao lugar-comum e sobreviveu durante 40 anos. Lembro de um depoimento do jornalista Marcelo Rubens Paiva, que recordou seu pai (deputado que “sumiu” na “ditabranda”) lendo “Playboy” no jantar da família. Discorria, suponho, sobre conteúdo de caráter político. Por aí se tira sua importância. Como Paiva morreu antes do início da publicação brasileira, imagino que ele estivesse se referindo à “Playboy” americana.

Onde, por exemplo, eu li que o ex-sindicalista Lula disse “admirar Hitler” (“não o homem, mas sua obstinação”)? Que Tarantino não faz a menor questão de conhecer o pai? Que o manifesto contra a homofobia de Herchcovitch é ser gay assumido, casado e na fila da adoção? Que Kajuru não passa um dia sem um processo nas costas? Que Jece Valadão afirmou que frequentou a umbanda e fingia receber o Exu tão-somente para transar com a mãe de santo? Que Sandy disse que... (deixa essa pra lá!).

Mesmo aqueles que não são compradores contumazes de “Playboy”, como eu, ficaram tristes porque uma revista de alto conceito não mais existe. É uma a menos. Fará falta.

Uma revista que atingiu a vendagem de 1,3 milhão de exemplares com Joana Prado na capa (dezembro de 99) amargava tiragem inferior a 50 mil

“Playboy” marcou minha adolescência, sim senhor! Puxo pela memória que meus colegas, no 2° ou 3° ano, levavam para a escola revistas de seus irmãos mais velhos, e até colegas mulheres, no intervalo, a folheavam na maior naturalidade do planeta (admirando ou invejando um pouquinho?). Não tinha professora dando piti nem o diretor da escola arrotando falso moralismo, Deus nos livre!, indignado com aquele material impróprio para menores, passando de mão em mão na sala. Nada disso. Tudo liberado, a bem da fantasia da garotada.             A Pátria já era educadora nos tempos de Fernando Henrique. País rico é país onde sua juventude se instrui adequadamente. “Playboy” era nosso Carlos Zéfiro pós-Diretas Já. Colégio Tereza Borges. Caetité, Bahia. Uma beleza! Tenho muita saudade.


Ah, como todo mundo tem a sua “Playboy” preferida, a minha é a da “Anita” Mel Lisboa, de agosto de 2004. É isso aí. 

Sítios novos



Uma coisa verdadeiramente gostosa é encontrar sítios novos, onde se possa, alegremente, gastar as vistas com fotos que lhe transpõem para um universo paralelo. Em busca por trabalhos dos grandes fotógrafos de todos os tempos, encontrei, de forma casual, o saite SANTANGO. Desde então, não há um único dia em que não o visite. O saite é dedicado a um tema: FOTOS DE DANÇARINOS. Pelo que pude apurar, preferencialmente de Tango. A monotonia do tema não deve assustar quem aprecie grandes trabalhos fotográficos, pois, por mais vezes que um objeto tenha sido fotografado, é sempre possível tratá-lo de uma maneira nova, prova-nos, sem receio, esse saite viciante. Além das fotos hipnotizantes, o clima de sedução estética é reforçado com uma seleção de clássicos do gênero Portenho, que acompanha o visitante entre uma página e outra.


Tenho apenas uma ressalva ao saite, é que ele foi muito descuidado ao não creditar a autoria das fotos.

Ettore Scola (1931-2016)

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Quando éramos criança não era comum recebermos a notícia de alguma morte. Estávamos ocupados a desvendar os segredos do mundo, ou ainda não tínhamos criado vínculos com pessoas e coisas, que hoje são importantes demais para passarem despercebidas quando se ausentam?