Fim de semana

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Passei horas a entreter-me na internet. Vi fotos dos melhores fotógrafos de sempre. Li blogs de escritores admiráveis. Estive em saites de notícias, páginas de editoras e livrarias. Consultei os preços de produtos eletrônicos que estou namorando. Visitei as redes sociais. Mas ai não me demorei. É que estavam lá jovens que nasceram na democracia, pedindo o retorno da ditadura, como se essa não tivesse feito o que fez, e isso causou-me um embrulho no estômago. Para completar o desgosto, vi também por lá a camarilha política. Estavam, como de costume, fingindo que o governo não tem culpa nos malfeitos que, anda metendo os seus mais próximos aliados aos magotes, nas masmorras, que por aqui também atendem pelo nome de cadeias públicas. Cansei. Pulei aos vídeos de música, humor e pitei o sal da terra. De tudo, penso que não tirei o que pudesse me confortar desse mundo. Tomei então assento ao divã e pus-me a ler os suplícios de Tântalo, triste história.


Constatação

Distraio-me fácil. Perco-me sem razão em meus pensamentos. Sem quê, nem porquê, ando quase sempre à deriva, ziguezagueando em minha mente. Nessas horas o pensamento voa. Sem porto ou direção, sou carregado de um lado a outro em completo desgoverno. Mas, de vez em quando, eu também sou capaz de ser tomado por alguma razão. Quando isso me acontece dou basta aos devaneios, e baixo à terra, em pouso forçado, tudo o que estava no ar. Deito tudo ao seu lugar e digo a mim mesmo que, nada mais me ousará escapar ao meu controle. Faço isso, não sem antes, deixar de perceber que, mais me assemelho a uma folha ou a uma nuvem, que são apascentadas pelo vento, do que, um prédio bem assentado em suas sólidas bases de concreto, que não tem temor algum de ser sacudido fora, por qualquer intempérie ousada, trazida pelos maus ventos. Desculpem-me a franqueza é que ando com a máscara frouxa. 

Sobrevive a capacidade de se surpreender


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Tão raro quanto encontrar um político honesto é ver algum jovem dado à leitura no passeio público. Mas por vezes isso sucede. É raro, mas sucede. Aí quando essa imagem lhe surge, fica-se a imaginar, por instantes, que o sol anda a nos pregar peça, e o que julgávamos, como alguém a ler pelas ruas, não passava na verdade de um devaneio, de uma mente sobressaltada pela fornalha que se tornou a cidade, nesses dias de sol inclemente. Essas coisas costumam acontecer também aos incautos que desafiam o deserto. Não seria raro, então, em cidades cujo sol é, tão ou mais, impiedoso, quanto nos terrenos, onde somente os camelos estão livres dos delírios. Mas este não foi o caso. Dei mesmo de encontro com uma jovem a ler no passeio público. Não foi um devaneio, estou certo. Toquei-lhe realmente o livro, elogiei-lhe o título e fiz menção de inveja, por ainda não ter ousado tanto na leitura, e subido os degraus do olimpo literário, como ela estava fazendo, para lê a dramática história do jovem Raskólnikov, escrita pelo genial russo Dostoiévski. De repente, ao ver que uma jovem perambula por aí, levando ao braço, um catatau literário, me dei conta de que não é inteiramente verdade que, os jovens se tornaram reféns de experimentalistas literários grosseiros que se comprazem no aviltamento da linguagem para facilitarem as vendas. Ainda há quem se guie por rotas insuspeitas e não ande a dar bolas aos modismos. Pode-se mesmo querer ver nos modismo algum valor literário, mas é somente nos grandes escritores que, encontraremos respostas àquelas inquietações que enevoam a alma e nos impede de ver mais claro o mundo. 

Afortunado

Pintura: Sacerdotes astecas realizando um sacrifício para os deuses ao queimar incenso e oferecer sangue no Códice Tovar, atribuído ao jesuíta mexicano Juan de Tovar do século XVI.
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Uma casa que, mesmo alugada, não deixas de sentir que é uma morada. Um emprego que, mesmo longe e mal remunerado não deixas de ser um emprego. Um país que mesmo desgraçado por corruptos não deixas de chamar de seu. Ter-se quase chegado a professor universitário e mesmo baldado os maiores esforços, ainda assim sentir-se realizado com o falhanço. Ter sobrevivido a três pneumonia, e não a pôr-se doente, a mais seis meses, apesar de sentir um cansaço em que todo o esforço parece demasia... Que vida afortunada eu levo. Quantos poderiam ser assim tão felizes como eu? Há, de certeza, muitos que me invejam por todas essas conquistas. Viro-me então para os deuses é agradeço-lhes os favores imerecidos.


A moral ensacada e a liberdade frouxa

Foto: Pedro de Moraes: Rio de Janeiro, 1965.
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Questiono-me, o que pode haver de amoral ou de descente, nos trajes que alguém escolhe para vestir? Faço isso, porque, meio sem querer, testemunhei a indignação de uma distinta senhora que, ao ver passar a rua, uma jovem em trajes mínimos, sagrou-a puta, só de ver a roupa que a jovem vestia. 

A visão micro, daquilo que a moral achou dever ser maior, causou-lhe, indignação instantânea. Tanta que, não pode conter a boca, o que o juízo avaliou em um só olhar. Achou tão certo, o que sua cabeça em instantes julgou, que sem receios ou pudor fez de uma jovem, alguém que talvez passe ao largo de ser o que os olhos apresados pensam saber. 

Nossa sociedade, muito zelosa de nossos hábitos e costumes, manda-nos sermos obedientes às práticas que nos fazem imaginar distintos e nobres, por andarmos envergando os símbolos da decência. Quanta ilusão. Fazem isso, estimulando-nos o comedimento nos trajes, a discrição nos volumes e a sensatez nas medidas. 

Sabem desses conselhos, os frequentadores das igrejas, os capelistas e os modistas dos hábitos alheios. Quem não frequenta esses sítios, têm dificuldade em aceita-los, preferem outros modos. 

Que medidas de roupas, determinam o caráter de alguém, pensam os que andam ensacados. Mas quando se estar debaixo de um sol fuzilante, e o calor incomoda, creio ser natural que as roupas, assim como a moral e os bons costumes andem meios frouxos ou curtos, além do que gostariam os guardiões dos melhores costumes. É demais querer que andemos todos metidos em panos, quando o sol está a nos convidar a celebrar os corpos livres. 

Com tantos desavergonhados na política, na religião, no comércio, nas casas de famílias, indignar-se com o pouco pano de uma roupa, soa-me a banalização dos fatos que, importam indignar-se. Do que adianta, cobrir-nos a todos o corpo, quando a vergonha maior não está em andar com partes generosas dele à mostra? 

Veneração

Quadro: A adoração do bezerro de ouro: Artista: Andrea di Lione
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A julgar verdadeira a crença burguesa, que prega que cada um é aquilo que exibe, logo se questiona: que estranhos modos, esses de ser, devedor de culto a quinquilharias.  


As fabriquetas da novíssima consciência



Os Budas de Bamiyan,
As Caçadas de Pedrinho,
A Teoria da Evolução,
As figuras paritais de Stone Mountain, na Geórgia,
Os artefatos milenares de Mossul,
O sexismo e o misogenismo de Homero e Eurípedes,
O falocentrismo de Henry Miller,
O antissemitismo de Shakespeare,
As fogueiras do "Ato Nacional contra o Espírito Não-Germânico"
Os horrores velados de Mark Twain e Hergé
As infamantes burcas no Ocidente.
Por todos os lados bafejam-nos,
ventos liberticidas.
Os iconoclastas nos salvarão
da ignorância de sabermos menos do que eles.
Farão isso a golpes de ferro e implosões,
ou em liturgias
em seus institutos de saberes,
que entre nós dão pelo nome de universidades.



Depravações políticas ou o impedimento forjado pelo sem-vergonha mor da nação

Foto: Max Scheler | Bruxelas, 1958
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Os políticos de Brasília nunca trabalharam tanto como nesses dias. Pena que não é em prol do Brasil, mas em causa própria. Acusam, xingam, mentem, falseiam e emprestam-se a todo tipo de sem-vergonhice. Com eles uma legião de capelistas ensinam-nos as razões do que foi, do que é, e do que só poderá acontecer quando A ou B estiver impedido ou devidamente encarcerado. De nós outros, os que não sabemos nem o suficiente para nós mesmos, mas que duvidamos sempre, estamos, pelo sim, pelo não, de costas a esse teatro bufa de triste-cômicos personagens. Podemos não saber muito, mas o que sabemos não nos permite tornarmo-nos cúmplices de modos tão depravados. 

Não gosto de agitações.

Foto: Sergio Larrain.
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Não gosto de agitações. Por isso gosto de cidades tranquilas. Me apraz a pasmaceira das províncias. Não estou nem um pouco preocupado se nada acontece ou deixa de acontecer nas cidades. Quero sossego e quietude. Já vivi em grandes metrópoles. Não posso dizer que foram experiências saudáveis. Ninguém que habite um lugar que, se gaste horas para ir de um ponto a outro, pode realmente estar satisfeito com a morada.


Olhar à volta.



Para melhor perceber as coisas precisamos de algum distanciamento. Além disso a imagem vista de muito perto, não nos dá uma perspectiva do todo. A esse propósito, lembro o José Saramago. No documentário Janela da Alma, ele diz de uma revelação que teve certa vez, em que foi forçado a mudar de lugar no meio de uma apresentação de ópera. Ele era grande apreciador dos espetáculos. Ia sempre à Ópera Real de Lisboa. Tanto que já tinha uma cadeira cativa em frente ao palco. Certo dia, ao chegar ao teatro, encontrou a sua cadeira ocupada. Com alguma resistência ele foi convidado a sentar-se num dos nichos contíguos ao palco. De lá, deslocado do seu ponto de vista habitual, ele viu o que nunca antes havia visto antes. O palco de cima e por trás. Aquele ambiente que respirava ares monárquico, visto de outro ângulo, pareceu-lhe sujo, empoeirado e nada agradável. E de fato o era. A imagem dos espectadores da plateia não lhes permitem ver além dos cenários montados e dos atores interpretando. Da cadeira cativa de onde sempre via os espetáculos tudo era suntuoso e limpo. De seu novo ponto a realidade era outra, bem menos nobre. Aí surgiu-lhe a mente a ideia de que, para conhecer mesmo uma coisa, verdadeiramente, precisamos todos de "dar-lhe a volta". Contornar os objetos para deles tirar melhores conclusões. Assegurar-se de que ela não é apenas uma fachada bonita, feita para impressionar, mas que também, em volta pode esconde coisas menos nobres, que denunciem melhor o seu todo. 

A Cosac & Naify fecha as portas, uma legião de leitores vê sua fonte secar.

.Alguns dos meus livros da Cosac.
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Só os muitos aficionados por livros entenderão. Os muitos satisfeitos com o mundo tal como é, não pressentirão que o anúncio do fechamento de uma editora pode ser sentido por alguns com pesar. E foi justamente com esse sentimento que recebi hoje a fatídica notícia que a editora Cosac & Naify encerou as suas atividades. Para quem não sabe, a Cosac & Naify é uma editora brasileira que a quase 20 anos vem produzindo livros que, primam pela qualidade literária sem nunca descuidar da edição gráfica. As seus edições de livros nos faz supor que, o livro é antes um relicário e não um monte de papel enfeixado para consumo descartável. Sei disso desde que comprei o primeiro livro dessa editora, lá nos idos de 2003. Cada livro dela é uma verdadeira obra de arte, uma joia que pode ser cultuada, tanto quanto os escritores que fazem parte do seu catálogo que reúne clássicos e importantes obras da literatura brasileira e estrangeira, muitos deles ignorados pelo grande público ou ainda desconhecidos no país. Antes do surgimento da Cosac, poucos poderiam imaginar no Brasil uma editora que pudesse ousar tanto na qualidade gráfica de suas produções. Uma nação de quase não leitores não atraia investidores com interesses em produzir livros com o cuidado e zelo que muitos merecem. Diante do fato de não encontrarmos leitores disponíveis, ficava evidente que em primeiro lugar, o mais importante era dá ao público opções de leitura. Só depois de consolidada uma audiência literária, as editoras poderiam pensar em oferecer um produto com riqueza de acabamento, esmero nos textos complementar e nas apresentações, qualidade de edição, singular apuro gráfico e outros luxos que só os leitores experimentados poderiam exigir. Mas antes que este público, exigente e ávido por um material mais cuidadoso, pudesse existir de verdade no país, a Cosac saiu à frente e resolveu encarar o fato, de editar obras para um público restrito de interessados em livros que, mantivessem os leitores em permanente estado de enamoramento pelo trabalho de edição. Hoje esse sonho chegou ao fim. Os muitos leitores de literatura que a editora conquistou, nesses longos anos de aventura e ousadia, souberam pela imprensa que, os sócios fundadores, resolveram pôr termo ao capricho que os levaram a fundar uma editora sem igual no mundo. Sinto que a cada dia uma certa ideia de cultura se torna rarefeita. Lamento mais essa perda para cultura brasileira.  Já não faz muito tempo tivemos o fechamento da única grande revista literária, a Bravo!. Ainda ontem os jornais traziam suplementos literários que hoje não fazem mais parte dos periódicos, o jornal O Globo bateu o último prego no caixão dos suplementos. Esse será o último suspiro de um geração que caiu ante as investidas da cultura de massa com seus apelos ao consumo desmiolado ou ainda teremos fôlego para suspender por mais tempo a respiração antes de sermos vencidos por um mundo seboso. O que fazer, quando o desnorte é a única estrela que nos guia?