Um pouco mais órfão

Foto: Rogério Soares
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A certa altura da vida, muitos abandonam-se à sorte, ou vão viver o merecido gozo do descanso, depois de uma jornada enfadonha pela existência. Outros parecem incansáveis e não se dão nunca por satisfeitos, e por isso, estão sempre inquietos, a buscar novos horizontes antes que a vida finde. Há pouco mais de um ano conheci um desses desbravadores, em Rio do Antônio. Mas chega-me hoje a notícia, inevitável, que eu nunca gostaria de ter recebido, de que ele nos deixou, “fora do combinado”. Partiu o mestre Adelbardo Silveira aos 84 anos. Conhecido carinhosamente na região do Sertão Produtivo como Professor Deba. Sua vida foi, toda ela, dedicada à valorização da cultura como bem maior de um povo. Através de militância cultural e empenho pessoal ele criou e redigiu sozinho o jornal “O Arrebol” que durou 5 anos. Produziu e apresentou um programa de rádio que destoava das habituais programações dessas redes de comunicações, tão molestadas de “artistas de plástico”, dando voz aos valores locais e aos cantadores de repente de sua terra. Escreveu livros de memórias, cordéis (sua última paixão literária) e protagonizou lutas políticas em favor da cultura que demonstrava inequivocamente o seu amor às artes. Mesmo abatido, por uma enfermidade e vergando ao tempo, que não perdoa nem os mais entusiastas amantes da vida, o Professor Deba, esteve nos últimos anos, de sua linda vida, em luta encarniçada pela criação de um Centro de Cultura em sua cidade. Malgrado o desinteresse de muitos pela cultura, ele insistia nessa ferramenta de emancipação social. Foi nesse momento que o conheci. Pensava ele que esse Centro seria capaz de estimular a participação popular nas práticas culturais e potencializar a valorização cívica das diversas manifestações artísticas de sua gente, ameaçadas pela “cultura do entretenimento rasteiro”. Quando o vi pela primeira vez não pude acreditar que um homem tão frágil, de fala tão mansa e com tantos anos nos ombros, estivesse tão animado com a possibilidade de transformar os jovens de sua cidade, em agentes culturais, capazes de identificar, estimular e acompanhar talentos para a literatura, pintura, música, teatro e assim aumentar a qualidade do patrimônio de sua cidade e região, tornando os valores locais pilares da comunidade. Mais uma vez seu sonho tornou-se realidade. O seu Centro cultural é hoje um lugar onde as artes vicejam.  Mas creio que isso não lhe bastou. É provável que estivesse embrenhado em mais um projeto. Não fosse a vida tão curta para tamanhas ambições creio que o Professor Deba inspiraria ainda muita gente. Fica aqui o meu agradecimento pelo muito que ele me significou quando estive em sua casa para colher um depoimento sobre as histórias de encantamento que ele sabia, como poucos, narrar. Foi nessa ocasião ainda que ele me conduziu, mesmo fragilizado (como mostra a foto abaixo) à casa de seu amigo e valente repentista, o Senhor Zé do Norte, para vitaminar ainda mais o meu trabalho de recolha de histórias populares, para um livro que será lançado em breve. Uma bela lição de vida nos deixa o Professor Deba. Pena é não contar agora com essa voz na defesa da cultura popular. Ficamos hoje todos um pouco mais órfãos. Saibamos vergar-nos a nobreza desse homem! Obrigado por tudo PROFESSOR.

Foto: Rogério Soares

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