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Foto: Sebastião Salgado: O Berço da Desigualdade.

Se entendêssemos o mundo como um processo e não como um resultado dado evitaríamos frases como: “Isso é cultural, desde que eu era pequeno esse lugar já era violento e as pessoas brutas. Ninguém é capaz de mudar essa gente. Eles não valorizam a educação”.

Se por um minuto nos déssemos a chance de subverter a lógica e imaginássemos, que a tarefa do professor não é a de ensinar, mas antes, a de despertar a criança para a consciência de sentido de existência no mundo, talvez a educação tivesse melhor resultado do que péssimo.

Se nós questionássemos mais, veríamos que a realidade dada tem verdades, que vão além das aparências, e é lá que talvez resida as respostas a muitas das nossas inquietações.

Se frequentássemos a escola da leitura ao invés da escola da tevê, talvez tirássemos melhor proveito das histórias que elas lá nos contam para mediar os nossos conflitos de forma mais inteligente, evitando assim a estupidez das brigas, xingamentos e outros vexames tão comuns a nosso tempo.

Se experimentássemos por algum tempo a mudança de canal e explorássemos as possibilidades além daquelas habituais, talvez descobríssemos que há vida, além da mesmice.  

Se não nos desmemoriássemos com tanta facilidade, talvez fosse mais fácil perceber como evitar os erros. 

Se, se, se, se.....

Recear as leituras clássicas, estratégia moderna para formar leitores.

 Foto: André Kertész | Série On Reading
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Tenho observado alguns especialistas preocupados com o desinteresse dos alunos nas leituras escolares. Aqui está uma. Por ora nenhum dos seus argumentos me convencem. Apenas reforçam as opiniões que tenho sobre os clássicos. Eles são insubstituíveis. Inquieta-me sempre uma coisa nessas pesquisas. Observo que em quase todos os especialistas do assunto, a solução sugerida, é a mesma. Renunciar a tarefa de ensinar uma literatura reconhecidamente instigante e audaz, em favor de uma solução fácil: curvar-se aos interesses do mercado da indústria cultural que pautam os gostos e as leituras. 

Essa lição tem como efeito apenas tornar os professores sujeitos ao gosto médio. “Não existe nada pior do que o gosto médio” dizia Ariano Suassuna. Rebaixar a literatura com a intenção de a torna mais acessível ao público; essa ação não tem nada de educativa. Mas diz muito de nosso comportamento diante dos desafios. Além disso, ela subestima a capacidade do aluno, que talvez esteja apenas pouco estimulado, mas não desinteressado. Remover os obstáculos num passe de mágica e insinua que a tarefa de aprender não exige esforço, dedicação, empenho, luta com as palavras, como já dizia o poeta, é o mesmo que azeitar a engrenagem da aprendizagem com areia.

Outra coisa. O texto da professora parte de um pressuposto ilusório, (perdoe-me a pretensão, mas é assim, que por ora enxergo) de que os alunos estão cativados pelos livros da moda e não iludidos pelo gênio da publicidade que os mesmerizou. A sugestão da professor tem o efeito de criar um círculo vicioso em que esse tipo de literatura, chamado eufemisticamente de despretensiosa (de despretensiosa ela não tem absolutamente nada) vai pouco a pouco tangendo os grandes autores para o limbo das obras difíceis. De lá eles terão pouco a oferecer às gerações de leitores que desconhecerão as suas potencialidades transformadores.  

De ratoeiras e livros

Foto: André Kertész | Série On Reading
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Não gosto de parvoíces. Detesto ver gente se entregar a estupidez. Mas infelizmente é nisto que se dissolveu uma boa parte do público literário. Antes exigentes eles se tornaram, manipulados pelos médias, consumidores que respondem apenas às listas dos mais vendidos para determinar os seus próximos “melhores livros”. Um exemplo dessas patuscadas abunda nas prateleiras das livrarias, insinuando às donzelas os ritos de sadomasoquistas engravatados, coadjuvantes de Don Juan.

Minha aversão a todos esses destroços, intitulados de literários, se deve ao respeito que sinto dever a uma arte que é mais forte do que a própria realidade, porque é capaz, quando não está subordinada aos managers culturais, que reduzem a cultura a uma dimensão esvaziada de conteúdo, de impor-se nas consciências dos homens bem melhor do que qualquer panfleto político ou discurso filosófico.

Todavia, há quem pense que isto tudo é irrelevante. Basta, para muitos, um título figurar nas listas dos mais vendidas ou ser enfeixado por Hollywood em uma película, para aplacar as consciências de qualquer questionamento quanto as prováveis dúvidas sobre a qualidade estética de uma obra. O divertimento, o entretenimento, a linguagem simplificada, os discursos evasivos e superficiais, sobrepujou os critérios de criatividade, expressão e rigor literário nas qualificações de um livro. Em nome desses novos valores os leitores viram soterrados também qualquer possibilidade de uma arte questionadora e atenta ao mundo. A submissão do leitor as imposições dos gostos midiáticos é total.

Felizes os pequenos que leem livros

Ilustração: Gustave Doré 
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Para quem chega agora à vida e pouco ainda sabe das coisas, não existe melhor guia para descoberta do mundo do que um bom livro. Hoje, 2 de abril, celebra-se o Dia Internacional do Livro Infantil. Não dou a importância que os outros dão as efemérides. Dias disso, dias daquilo, são para mim, armadilhas para apanhar devotos consumidores, cumpridores do que acreditam ser os seus deveres; o de saírem às compras, sempre que o sino do templo anunciar uma oração especial ao santo do dia. Mas se descontarmos a veneração consumista no espírito das efemérides e atentarmos para o fato da celebração a um objeto tão importante como o livro tiraremos daí algum proveito. A leitura aproxima a criança e o jovem à vivências e saberes que expandirão sua visão de mundo para além dos horizontes cotidianos. O texto literário mobiliza a criança, através da descoberta de uma linguagem expressiva e inusitada a um mergulho no imaginário. A leitura abre caminhos, desperta paixões. O bom livro literário oferece ao pequeno leitor a possibilidade de satisfazer a sua criatividade pela experimentação de realidades fantásticas. O ilogismo aparece nos livros para suscitar o questionamento das aparências e só não se deixa conhecer àqueles que não sabem questionar. Enfim o livro infantil é uma ponte sempre aberta entre a criança e o mundo.  

Intermediárias retinas

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A realidade através de intermediárias retinas. Hoje a realidade só é plenamente vivida quando vista pelo visor de um celular, através de uma tevê ou sentida pela tela de um computador. A era das experiências parece suplantada pela era da virtualidade da vida. Não estranha pois que as relações sejam, pautadas nesses novos termos, tão fugazes. Só aquilo que é efêmero, transitório e pode ser facilmente desapercebido para dá lugar a outro, com aparência de sempre novo, tem sentido para o homem contemporâneo. 

Adeus Manoel de Oliveira (1908-2015)


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Saiu de cena hoje um dos maiores nomes do cinema mundial, o português Manoel de Oliveira (1908-2015). Filho de uma tradicional família portuguesa Manoel de Oliveira nasceu no tempo da Monarquia. Assistiu a mudança de rumos políticos de seu país para República, atravessou duas guerras mundiais, sobreviveu a ditaduras sanguinolentas, saudou a redemocratização de sua pátria e ainda testemunhou a queda do muro de Berlim. Depois de tudo isso, quis o destino que ele ainda assistisse outros tantos dramáticos conflitos que lhe afirmaram a permanência do mito bíblico da Torre Babel. Seu nome está inscrito entre os grandes realizadores de nosso tempo. Ele não foi apenas o mais importante cineasta de seu país, como afirmou a revista Cahiers du Cinéma, foi também, como vimos, o mais longevo. A esse último adjetivo ele atribuiu parte de sua admiração: "Penso que sou mais admirado pela minha idade do que pelos meus filmes". Uma blague. Em seus mais de cem anos de vida ele fez da arte cinematográfica a máquina relevadora de um mundo aquém daqueles que nossos sonhos projetam e além daqueles que a realidade imprimem. Apenas esse registro desmente qualquer insinuação de que sua longevidade tenha superado o seu talento atrás das câmeras. Mas se ainda restar qualquer dúvida ao incauto veja-se a propósito Um Filme Falado. Obra de 2003, nela está, em chave teatral, como era característica de seu modo de realização, inscrito um filme que celebra os melhores feitos humanos, sem esquecer as inconvenientes certezas de que há ainda, muito trabalho para realização de uma sociedade minimamente civilizada. Vai o mestre fica a obra.