Cemitério de livro

Foto: André Kertész. Homem lendo com lupa, Nova Iorque, 1959.

Não compreendo a indignação desse jornalista aqui. Ele deve ser um celerado. Desses que anda cagando regra pra gente que sabe bem o que faz. Certo estão os políticos espanhóis. Eles dão uma lição ao mundo. Enterrem o Quixote, a vida segue. 

Esse é um bom exemplo de uma inovação pedagógica, que pode revolucionar a educação. Como as pessoas não haviam pensado nisso antes? Os livros dão trabalho, custa lê-los. A nova pedagogia exige respostas rápidas aos novos desafios. Não temos tempo para ficar insistindo com quinquilharias velhas e obsoletos como livros antigos. 

Os alunos não entendem os livros? Atire os livros para longe deles. Assim eliminasse o problema. Óbvio. Afinal são apenas livros. Que mal pode haver em apagar do convívio juvenil um livro maçante e soporífero com o D. Quixote. Há muitos mais livros no mundo. Talvez até melhores. Quem vai saber? 

Podemos substituir essa velharia por genuínos e modernos pensamentos, que melhor se adequem as consciências contemporâneas. As contingências modernas exigem-nos que estejamos constantemente adequando-nos sempre à medidas de novas inteligências. 

E há um sem-número dessas novas inteligências solicitando a nossa atenção, e que melhor falam às novas gerações. Mas a inteligência, a erudição, as inovadoras lições de insubmissão, a vida percebida como insuficiente, e as perspicazes maquinações existentes no Quixote? Queixarão sem dúvida alguns. A estes diremos que essa inteligência e erudição, além da ideia de insubmissão à vida cotidiana, já não são mais as nossas. 

Buscamos a literatura que nos satisfaça o cumprimento de nosso destino. A literatura como “alimento dos espíritos indóceis e propagadora da inconformidade” como essa presente no Quixote, ameaça-nos a empregabilidade e a funcionalidade. Dizem que, a leitura do Quixote tem sido boa escola para artistas, conclui-se daí, não serem serias, são portanto, inúteis aos desafios do novo mundo. 

Os best-sellers infantis e juvenis que pipocam nas livrarias, estes sim, têm melhores instruções para lidarmos com as novidades na vida moderna. Milhares de pessoas, que consomem essa literatura, não podem estar enganados das qualidades inequívocas desses livros, que arrebatam multidões pelo mundo. 

Claro, eles têm lá alguma indigência, mas para que exigir um repertório variado de ideias e linguagem quando estão todos tartamudeado. Creio que, os novos produtos literários estejam em melhores condições de substituir as antigas literaturas na função de ensinar às pessoas as riquíssimas possibilidades que a língua encerra. Basta ver um grupo de jovens falando. São inventivos, primorosos no traquejo com as palavras, quase nunca, tipo assim, se repetem. Tira-se daí que as novas literaturas estão, por certo, melhores condicionadas à estimularem a sensibilidade e a fantasia, graças as novíssimas obras que pouco a pouco vão substituindo os bolorentos romances.  

Celebrem a boa nova. 

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