A Civilização do espetáculo



Em seu perspicaz ensaio: A Civilização do Espetáculo, o escritor peruano Mario Vargas Llosa se insurge contra o que chama de "banalização das artes e da literatura". Sobram ainda, criticas ao que ele chama de "triunfalismo do jornalismo sensacionalista" e a ascensão da ideia de que a literatura deve se render exclusivamente às esferas do entretenimento.

Llosa afirma que no passado a cultura agia sob as consciências, para impedir que virássemos as costas à realidade. No presente, banalizada pela covardia das universidades e pelo relativismo cultural, a literatura deixa pouco a pouco de ajudar os leitores a entender melhor a complexidade humana, mantê-los lúdicos sobre as deficiências da vida, alerta-los para realidade histórica; para torna-se um passa-tempo despretensioso, na melhor das hipóteses, avalia o ensaísta, “ela é usada para salva-los do tédio das longas horas de viagens de ônibus, metrôs”. Em meio a todo esse novo panorama, a literatura para sobreviver, “tornou-se light - noção que é um erro traduzir por leve, pois, na verdade, quer dizer irresponsável e, frequentemente, idiota."

Atuando como mecanismo de distração da realidade e de entretenimento a literatura, acredita o pensador, perdeu seu poder de animar consciências. Ao invés de indivíduos indóceis a manipulação da verdade por parte dos poderes constituídos, a literatura contemporânea cria consumidores de toda espécie de bugigangas e indivíduos autômatos.

Ao rebaixar-se ao mero entretenimento, a literatura, acredita Mario Vargas Llosa, acorrenta o homem a sordidez cotidiana, ao inferno doméstico e a angústia econômica, e o estimula à uma indolência espiritual relaxada.

As consequências desse torpor, é a criação de indivíduos preguiçosos para tarefa de pensar. "As ilusões plasmadas com a palavra" e não dadas de pronto como no cinema de entretenimento, por exemplo, "exigem ativa participação do leitor, esforço de imaginação e, às vezes, em se tratando de literatura moderna, complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do cinema e da televisão dispensam os espectadores. E estes, em parte por esse motivo, tornam-se a cada dia mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que exija deles esforço intelectual."

Amputada de seu valor inconformista, a literatura de frivolidade, que domina todos os espaços na vida do leitor, com vampiros, crimes sadomasoquistas, invasões marcianas, romances edulcorados, e outros; divertem e principalmente dispensam os leitores de pensarem, mas, como sugere Llosa: "são incapazes de fazê-los entender o labirinto da psicologia humana, os mecanismos da vida social, os abismos da miséria e os ápices da grandeza que podem coexistir no ser humano".

Não é apenas à literatura de mero entretenimento que se volta a artilharia de críticas do ensaísta. À televisão e aos meios de entretenimento eletrônicos ele dedica um espaço especial de reflexões. A televisão, é dispensável comentar, rebaixou a níveis insuportáveis a programação. Na corrida para atrair mais público e brigar pela audiência os meios de comunicação tornaram-se um vale-tudo. Reduzindo o público a mero espectador passivo. "A fantástica acuidade e versatilidade com que a informação nos transporta hoje para os cenários da ação nos cinco continentes conseguiu transformar o telespectador num mero espectador, e o mundo num vasto teatro, ou melhor, num filme, num reality show com enorme capacidade de entreter". p. 202.

"A informação audiovisual fugaz, passageira, chamativa, superficial, nos faz ver a história como ficção, distanciando-nos dela por meio do ocultamento de causas, engrenagens, contextos e desenvolvimentos desses acontecimentos que ela nos apresenta de modo tão vívido. Essa é a maneira de nos levarem a sentir-nos tão impotentes para mudar o que desfila diante de nosso olhos na tela como quando vemos um filme." p. 202.

Tenho algumas reservas as opiniões de Mario Vargas Llosa a respeito da política. Sua aversão ao socialismo e sua adesão aos princípios neo-liberais são ao meu ver algo questionável. Simpatizo, porém, com sua luta pessoal em favor da cultura e da defesa da literatura como um valor elevado e indispensável na construção de uma sociedade minimamente saudável e prospera. 

Intelectual engajado, pensador que expresse suas ideias e interfira no fluxo corrente das ações cotidianas, a despeito dos discursos da moda, está escasso, Llosa talvez seja o último dessa espécie rara. Adoro, sem reservas, todas as obras literárias desse escritor e pensador, e comungo com ele da opinião que a cultura na atualidade vive ameaçada pela ideia de que deve ser apenas entretenimento e não outras coisas.

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