Narcisistas ou quando existir é uma angústia

Foto: André Gelpke, Christine au miroir, 1976
.
Somos tão violentamente forçados a convivermos com imagens de realidades idealizadas, que não conseguimos nos encarar diariamente sem certos queixumes ao que de natural e incontornável há na natureza humana. Envelhecer virou um pecado. Ostentar rugas que já foi um sinal de respeito, hoje é um inequívoco índice de derrotismo e sinal de decadência. Tudo isso pode ser facilmente, segundo o credo publicitário,  redimido pelo consumo de cremes, dietas, roupas de grife, perfumes caros, carros, celulares, tintura, botox, e tantas outras fantasias encapsuladas. Enredado pelo discurso persuasivo da publicidade enganadora dos médias, traímos nossos mais puros valores e socorremos nossa auto-imagem do escárnio público, recorrendo aos artifícios cosméticos propagandeado como solução mágica de todas as nossas angustias e infelicidade. A publicidade, com seus artifícios de prestidigitador, nos seduzem com uma imagem destorcida de nós mesmos,  para depois nos vender a solução definitiva contra os males de existir. 

A fantasia da beleza

Foto: Alfred Stieglitz
.
A mulher que oferta, ao espectador anônimo, o seio em branco e preto, traz também na face um olhar de indisfarçável enfado. A oferenda, portanto parece resignada. Mas não é a antítese que me atrai. E sim sua despreocupação em transmitir uma visão idealizada, glamorizada da figura feminina. Não há uma tentativa aqui de suprimir as imperfeições, tão desejadas no mundo de hoje. Elas, ao contrário, são convocadas e expostas sem pudor. O cabelo desgrenhado, o olhar macilento, que prenuncia antes o sofrimento represado do que a chama vicejante da juventude, os seios murchos, a roupa indefinida, mostram uma despreocupação em maquilar a mulher e redimi-la das inevitáveis agressões do tempo. O ideário aqui é outro. E, no entanto, essa imagem, que não nega os sucos do tempo, nem se preocupa em artificializar a beleza, ainda assim é bela em sua sujidade realista. O caráter da beleza talvez, como sugere a imagem, não esteja numa atitude postiça, mas sim em certa sinceridade realista que não nega da vida as suas impurezas e imperfeições. 

Brassai

.
A noite de Paris, seus frequentadores, suas ruas, sua arquitetura noturna, sua textura de cores e sutis gestos de anônimos sãos os temas prediletos de Brassai, que também escreveu livro sobre a relação da fotografia com a literatura.

O declínio da crítica

Ao pensador de múltiplos saberes e larga tradição cultural, os jornais de hoje, assim como acontece com as tevês, preferem, por razões óbvias, ter como crítico o leitor impressionista e opinativo de primeira hora. A relativização da crítica desqualificou o papel de mediador do crítico entre o público e a obra e teve como principal efeito um rebaixamento do debate qualificado dos bens culturais produzidos nas últimas décadas. "Tipo assim, fantástico" , “adorei”, “desempenho magistral”, "curti muito" são algumas das novas e respeitadas contribuições do espírito renovador do homem público. O sintoma mais evidente desse fenômeno, que não atinge somente o espaço da cultura, mais também se estende por outras áreas como, a política, religião, esporte e tantos outros espaços de debate; foi que com o banimento do crítico, como alguém que desentranhar do texto noções insuspeitas e clareia zonas obscuras das obras, investindo estudo e fidelidade ao ofício, foi à tendência de enfraquecer os debates e aniquilar do espaço público o espírito crítico qualificado. Em razão disso a indústria cultural, quase sempre molestada com as insistentes intervenções críticas, conquistou o cenário perfeito para proliferação de seus ideais de transformar a cultura em entretenimento vazio, mas muito rentável.