Do Belo, Da Feiura e Da Poesia

. Detalhe de Os Jardins das Delícias - Hieronymus Bosch

Por esses dias temos falado muito aqui sobre a beleza. Num mundo marcado pela feiura das guerras, dos atentados à bomba, dos genocídios e das automutilações nas manifestações pelo mundo, falar do belo passou a ser uma necessidade para se contrapor as grosserias impostas pela irracionalidade humana. A bestialidade não pode imperar impunemente. A furiosa sanha desses bastardos, que produzem tanta feiura, assaltou do mundo não apenas as belas e inestimáveis visões da beleza, mas roubaram também o seu sentido. Esse, seguramente, foi o atentado mais perigoso contra a beleza. 

A prática da linguagem exercida sobre o signo do consumismo destituiu o potencial expressivo da palavra belo, que passou a ser associada apenas a juventude e a harmonia das formas físicas. Vai daí que não apenas as visões do belo precisam ser resgatadas, mas também o seu sentido originário, desgastado pelo uso rotineiro, para vender cosméticas e falsas ideias de conquistas. 

Associando a beleza à realização pessoal, as empresas de cosméticas, os programas de televisão, as revistas de moda e seus congêneres, criaram um bando de tolos consumistas de seus produtos, que acreditam que se estiverem devidamente envelopados pelos cosméticos da moda, darão um gigantesco passo na realização de seus sonhos mais mesquinhos. Somos muito mais do que aquilo do que nos dizem sermos, ou não? 

Essa mutilação do sentido da palavra - empregada pela economia de mercado - nos impede de ver a diversidade de sentidos que o belo pode expressar.  Tomando de empréstimo as palavras de Alfredo Bosi no livro O Ser e o Tempo da Poesia, podemos caracterizar o belo como: “Belo é o que nos arranca do tédio e do cinza contemporâneo e nos reapresenta modos heroicos, sagrados ou ingênuos de viver e de pensar. Bela é a metáfora ardida, a palavra concreta, o ritmo forte. Belo é o que deixa entrever, pelo novo da aparência, o originário e o vital da essência. Por isso, o belo é raro.” p. 131. 

É preciso, portanto, purificar a palavra de seus desgastados usos. E quem melhor pode fazer isso? Ora, não há outra forma de restituir à palavra a sua eficiência linguística e sua potencialidade, do que o pensamento poético. A poesia possui as melhores condições de revigorar as palavras o seu potencial de dizer e restituir as mutilações que o rotineiro uso lhe impôs. A poesia, limpa a palavra das escórias do desgaste e mantém viva o seu potencial. Contraria assim a pestilenta manipulação promovida pelo uso abusivo em apenas uma acepção e contorna a saturação imposta pelas formas de interesses ideológicos, que não nos servem. 

O absurdo que ronda tantas vezes o cotidano nos diz Alfredo Bosi, precisa da palavra para dar-lhe algum sentido ou, no limite, manifestar a estranheza pela sua falta de sentido. O gesto poético desoprime a palavra de suas obrigações ideológicas e se realiza plenamente, quando insinua ao leitor os caminhos possíveis de sua interpretação. Apenas no texto poético, e em quase nenhum outro lugar hoje em dia, vemos o exercício pleno da nossa liberdade. Seriam esses os motivos de seu desprestigio na nossa sociedade? Ela incomoda os establishment ao dotar o homem da irresponsabilidade de pensar por conta própria e escolher o seu caminho?  Essas são perguntas para as quais as respostas serão esboçadas no próximo post.

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