MESTRE AUTRAN

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Por TÉO JÚNIOR

Esse espaço homenageia de forma singela a decisão da Presidente da República Dilma Rousseff por ter oficializado o grande Paulo Autran como “Patrono do Teatro Brasileiro”. A publicação está no Diário Oficial do mês de agosto. 

Pode parecer insignificante um reconhecimento tão simples, que não representa nenhuma gratificação em dinheiro para herdeiros do grande ator, morto há 4 anos, mas o respeito e agradecimento que essa decisão traz. É preciso que se faça justiça a um grande brasileiro, e ainda mais quando se trata do maior ator do país.

Qualquer decisão que venha do poder deve ser recebida com cautela, já que se montou em Brasília um legítimo picadeiro onde noções de valores morais, de ética, de idoneidade etc. estão amiúde se nivelando para baixo. Um reconhecimento que chega, ainda que postumamente, de forma justa em relação à memória de um artista. 

Felizmente, Paulo Autran não precisou morrer de velho para ser lembrado. Em vida, foi saudado como o principal nome do nosso palco e rivalizava apenas com Fernanda Montenegro na primazia de ser o maior ator do Brasil. Recebera diversas homenagens em vida, em gratidão às 90 peças que montou, sendo Shakespeare o autor mais constante de seu currículo. 

Não se pode, todavia, descansar sobre os louros, pois existe o risco de se ficar acomodado. É o que chamam comumente de “zona de conforto”. Paulo trabalhou a vida inteira e não se iludiu com o sucesso. Identificava-se com o teatro, apenas. Esnobou a televisão e o cinema, embora às vezes estivesse lá também. No entanto, sua mais visceral paixão foi, reiterando, o palco. 

Em 1996 decidiu montar Rei Lear. Recebeu patrocínio de mais de 1 milhão de reais, pois não se pode trabalhar com um artista deste quilate com mixaria. 1 milhão de reais para ser investido numa peça parece caro – e é. Mas é preciso levar em conta também a relevância do espetáculo. Paulo arranjou o dinheiro sem dificuldade. Lembro-me bem quando escrevi um texto em Aracaju cobrando do governador Déda dinheiro para o teatro, argumentando para ele que “teatro é verba”. Estão vendo aí?

Além de ator, Autran viveu nos turbulentos anos da ditadura militar, onde a liberdade de expressão e as artes eram cerceadas e boicotadas pelos poderosos da hora, sob a alegação falsa de que estas últimas eram obras “subversivas”, portanto “prejudiciais” ao público. Quem tinha o que dizer, teve de se calar, sob risco de punições maiores. Paulo foi um defensor intransigente da liberdade e do respeito pela categoria da qual fazia parte: a dos atores. Chamou para si a responsabilidade, ao invés de delegá-la a terceiros. Em 1965, com o espetáculo Liberdade, Liberdade, de Millor Fernandes e Rangel, percorreu o país para falar de algo que já não existia totalmente no Brasil. Não adianta ter liberdade “mais ou menos”, um “pouco” de liberdade. A liberdade deve ser total, irrestrita. Em Alagoas, representou o espetáculo, contrariando a decisão do então governador Simeão Filho. Pressionado por manifestações estudantis, com o apoio da Universidade Federal daquele estado, ele liberou a peça, e os alagoanos, assim, puderam assistir ao extraordinário ator no Teatro Marechal Deodoro, como atesta a foto abaixo. Quem viu, viu. Uma experiência única, irrepetível. Venceu o teatro. 

Salve Paulo Autran. Maravilhoso como ator e como ser humano consciente de seu ofício.

Os alunos de Maceió, que batalharam para ver Paulo Autran no palco, fizeram uma placa homenageando o ator que se apresentou no Teatro Marechal Deodoro, o principal da cidade, com a peça Liberdade, Liberdade, contrariando a decisão do governo.   

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