¡Gracias, España!

CRIADOR E CRIATURA
FOTO DIVULGADA POR AGUSTÍN ALMODÓVAR/EL DESEO
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TÉO JÚNIOR
Pedro e Antonio no lançamento de “A Pele que Habito”. Um reencontro de dois astros 20 anos depois

Quando se fala da Europa, imagino que as pessoas tenham uma certa inclinação em primeiro lugar pela França, depois, talvez, pela Inglaterra?, em seguida, quem sabe, pela Itália? Culturalmente todos esses países deram sua contribuição para a humanidade, todavia somos um povo que vivemos de fazer escolhas. Gosto dessa brincadeira de atribuir notas, de eleger. Admiro o glamour e a sofisticação que sempre inspiraram a França, o poder real inglês, esses casamentos de conto-de-fadas que paralisam o mundo – não vi o de Kate – e aprecio também a beleza extraordinária dos italianos, o que me remete de imediato ao Renascimento e aos quadros estupendos de Caravaggio etc. Mas, apesar de ter respeito por todos esses, o país que mais amo é a Espanha. Admirar é uma coisa. Amar é outra. Não sei o verdadeiro motivo. Não tanto por ela ter nos legado um Picasso, um Galdí, um Lorca, um Dom Quixote, o que já seria louvável - mas pelo cinema de um senhor chamado Pedro Almodóvar Caballero. Fiquei instigado em falar sobre a Espanha, depois que Rogério disse preferir, entre todas, a cultura francesa, destacando-se as mulheres, cultas e lindas. 

Admito, sem um pingo de constrangimento, que meus conhecimentos sobre cinemas são escassos. Evidentemente, sei distinguir um Fellini de um James Cameron, por exemplo (não sou tão estúpido!) mas minha bagagem cinematográfica encerra-se pouco acima da base de uma pirâmide. Mas foi Pedro quem me despertou o interesse por essa extraordinária arte e, atrelado ao estilo “almodovariano”, sua língua, razão pela qual venho estudando sistematicamente o idioma, falsamente identificado com o português, pois as duas línguas têm mais diferenças do que semelhanças. Sou grato ao artista Pedro por me fisgar assim de um modo tão avassalador e tão incrivelmente fascinante. 

Como o conheci? Assistindo a um filme pouco expressivo, mas carregado de tensões. Chama-se Tacones Lejanos, tradução para o português: De Salto Alto (1992). E por que Almodóvar é tão bom? Porque ele é versátil. Não se prende a um estilo único, e paradoxalmente, tem o poder de deixá-los em todos os filmes. É um e ao mesmo tempo, muitos. Não é somente pelo colorido exacerbado, pelas paixões labirínticas e pelo fato de suas criaturas explodirem de desejo que ele é excelente. Há as situações triviais do cotidiano, como uma cena em Volver (2005), onde Raimunda (a melhor personagem que Penélope Cruz ganhou na vida), naturalmente, abaixa a calcinha para fazer xixi. Seu talento criador vai além desses detalhes. Quando quis denunciar, Almodóvar filmou uma Má Educação inesquecível; quando quis fazer um drama familiar, criou uma obra-prima chamada Tudo Sobre Minha Mãe. Quando quis anarquizar, fez um filme neurótico, mas nem por desprezível, Kika. Quando quis falar da sensibilidade humana, dirigiu Fale com Ela, que dispensa apresentações. Nenhum diretor brasileiro – nenhum! – faz concorrência a Pedro. É, certamente, um dos maiores do mundo e um mito para muitos. 

Por fim, quero abordar A Lei do Desejo, de 1987 que, ao lado do arrebatador Carne Trêmula, foi o filme dele que mais me marcou. Lá veremos Antonio Banderas – numa cena curiosa: seu personagem Antonio, sendo penetrado por um diretor de cinema por quem está perdidamente apaixonado, o famoso Pablo Quintero (Eusébio Poncela, feiíssimo, por sinal). Banderas deu uma entrevista, se não me engano em Nova York, dizendo que foi um “homem de sorte”: “Cheguei aos Estados Unidos com 25 filmes no currículo”, sendo A Lei do Desejo um dos últimos antes de ir embora. 1988 foi especialmente extraordinário na carreira de ambos: foi o ano de Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos, que chegou a concorrer ao Oscar e ecoou o nome de autor e intérprete nos quatro cantos. Banderas fez uma belíssima carreira em Hollywood, depois ainda atuaria em Ata-Me! (1990), em sua terra natal, muito bem avaliado por crítica e público. Almodóvar seguiu falando de sua querida Madri, Banderas tocou a vida na América e o reencontro entre criador e criatura aconteceu agora, duas décadas depois, quando está em cartaz A Pele que Habito. Dois verdadeiros astros. Dois talentos que nós, espectadores, ajudamos a consagrar.  Estou curioso para assistir Almodóvar no cinema, pois a última vez que isso aconteceu foi em 2009, em Aracaju, num filme que julguei substancialmente fraco, Abraços Partidos. 

Almodóvar é sempre muito gratificante, e com certeza um mestre em jogar nos olhos dos seus fãs doidas aventuras, muitas reviravoltas, muito suspense, muitas surpresas. Seu cinema é superlativo. 

Gostaria que Rogério visse A Pele Que Habito e escrevesse sobre ele. Também pediria aos leitores do blog que vejam o filme, e comentassem este que será o 18º. longa de Pedro, que, no começo de sua carreira, em 1980, dados os seus enredos,  envergonhava uma Espanha ainda puritana e moralista, e hoje, enche o país de orgulho. “Ele é a pessoa mais inteligente que já conheci na vida!”, disse certa vez a grande Carmen Maura (atriz maravilhosa, que, aliás, esteve magnífica em A Lei, quebrando a mobília do quarto com um machado, para exorcizar seus demônios, ao som de Ne Me Quitte Pas.) Que bom que essa inteligência pôde ser compartilhada com o mundo.  

Minhas férias estão quase acabando – que pena! – e, da Paulicéia Desvairada, sempre que a ocasião requerer, escreverei minhas crônicas aqui. Se o proprietário deixar. 

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