INDISPENSÁVEL

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Novidade à vista. O poeta, editor e folclorista Marco Haurélio anunciou ontem no seu blog Cordel Atemporal, o lançamento, para breve, de seu novo trabalho, CONTOS FOLCLÓRICOS BRASILEIROS. O livro sairá pela editora Paulus e conta com, ilustração de Maurício Negro e notas do Dr. Paulo Correia, do Centro de Estudos Ataíde Oliveira, da Universidade do Algarve, Portugal, segundo nos informa o blog. O trabalho se constitui numa antologia de contos populares, colhidos pelo poeta no interior baiano entre familiares e mestres de sabença. A iniciativa, ao tempo em que valoriza os saberes e a memória popular de homens e mulheres que souberam pacientemente preservar saborosas estórias; desmistifica a ideia corrente de que no Nordeste só há pobreza. Longe dos estereótipos limitadores, Marco Haurélio assume a dianteira de uma geração de escritores entusiasmados com a cultura Brasileira. Não há dúvidas de que, em se tratando de um escritor apaixonado pelo ofício literário, que exerce desde a mais tenra idade, e de alguém que valoriza as tradições e as riquezas do povo brasileiro, como poucos, podemos esperar uma obra de qualidade indiscutível. Desnecessário dizer que, desde já, esse passa a ser um livro obrigatório para todos os amantes da boa literatura.

NOVOS TEMPOS?



A história está sendo reescrita? A inédita prisão do governador em exercício José Roberto Arruda, anunciada nessa quinta-feira, poria um basta, nos inomináveis vexames atribuídos à política nos últimos 500 anos nesse país? As contundentes imagens do desrespeito às funções públicas estarão finalmente dizendo alguma coisa? Arruda será realmente punido? Arruda será o primeiro de muitos a pagar por seus atos de desrespeito ao eleitorado? Afinal acordamos às grosserias políticas? Estaria chegando ao fim uma vergonhosa tradição de impunidade? A justiça finalmente despertou de sua letargia ou a justiça que tardou em prendê-lo, acordada que foi pela opinião pública, não demorará a restituí-lo à liberdade? Estamos vendo o ponto final da farra política com o dinheiro público? Estaríamos vivendo uma nova fase na política em que não se tolera as malversações? Sejam quais forem as respostas a essas perguntas, o certo é que estamos assistindo a um acontecimento único, nesse caso, não podemos perder a ocasião de darmos um choque de moralidade na pasmaceira reinante em Brasília.

ADMITAMOS... SOMOS UM PAÍS DESAVERGONHADO


Admitimos e promovemos muitas coisas nesse país, que no discurso diário estamos sempre prontos a condenar. Não aceitamos a corrupção política, essa vergonha, essa nódoa inalterável de nossa história. No entanto, não nos constrange, nem um pouco, fraudar a declaração do imposto de renda; receber um benefício que não nos cabe; vender ou comprar um trabalho acadêmico; roubar livros das escolas públicas - pratica frequente de nossos mestres; comprar CDs e DVDs no mercado paralelo. Dispor-se a maquiar uma licitação ou molhar a mão de uma autoridade pelo perdão da falta, não cora ninguém. Estimulados por uma desavergonhada força que anima nossa sociedade, essas e outras formas de ilegalidades são toleráveis, admissíveis e apropriadamente aceitas. Na verdade chego a pensar que elas dignam muitos homens. Fica cada vez mais difícil distinguir o corrupto e o corruptor no vale-tudo desmedido da vida social. Qualquer pessoa, desde a mais tenra idade, se sente desobrigada a fazer, diante de tanta vergonha, o que é certo, justo e realmente correto. Ninguém suspeita, porém, que essas e, outras ações injuriosas, minam qualquer sonho de progresso, e que, ao contrário do que se imagina, não será a indiferença às pequenas vilanias cometidas pela população diariamente, a resposta aos maus atos dos nossos representantes.


CITAÇÃO 3

"Não há temas privilegiados ou condenados para a literatura. Tudo depende do tratamento artístico."
Sábato Magaldi
"O palavrão, por
tanto, tem de ser encarado no palco de maneira diversa do que o é na vida real: se serve a fins artísticos precisos, revelando algum aspecto da personalidade humana, embora escuso, ou lançando luz sobre as condições econômicas e sociais de certas classes, justifica-se humanamente e esteticamente."
Décio de Almeida Prado
"De fato, a evolução da literatura nos últimos cento e cinquenta anos está ligada a uma série de vitórias obtidas contra a repressão social, representada pela Censura ou pelo Poder Judiciário. As Flores do Mal, de Baudelaire, Mme Bovary, de Flaubert, O Amante de Lady Chatterley, de Lawrence, Ulysses, de Joyce, são alguns destes marcos mais representativos, por terem sido objetos de processos e condenações rumorosas, antes de passarem à categoria de tranquilas obras-primas. Cada uma de tais batalhas judiciárias acabou efetivamente por alargar os limites da arte, que os artistas pretendem seja tão amplo quanto o da ciência. Tudo é objeto de arte, mesmo o obsceno, mesmo o repugnante, como tudo é objeto de ciência, já que ambas, cada uma a seu modo, dizem respeito ao conhecimento do homem."
Décio de Almeida Prado
"Foi realmente determinado que não há nada de saudável e proveitoso na arte a não ser que ela esteja vestida?"
Jornal New York World
"Sempre acontece que, entre a proibição justa, fundada em premissas certas, para a salvaguarda da coletividade, a ignorância do fenômeno estético por parte de censores - recrutados mais como policiais do que como críticos adultos - provoca disparates como este que é a proibição de A Navalha na Carne, com fundamento na sua presumível linguagem pornográfica."
João Apolinário

INTERDIÇÕES

Os Sonhadores

Quais razões uma instituição, com fins culturais, pode alegar para censurar uma obra artística? A Casa Anísio Teixeira, situada na cidade de Caetité, terra natal do educador, tem uma, que coloca em dúvida a nossa existência no século XXI, e nos faz pensar estarmos noutra época. A Casa vê com reservas algumas obras cinematográficas e lhes impõe severas restrições, baseadas num código moral, rígido, de uma única lei. A pretexto da preservação da moralidade e dos bons costumes, toda e qualquer obra, que exponham cenas de sexo, por mais branda que sejam, por mais indispensáveis à recriação da realidade, sofre uma desmedida censura.

Em que pese o caráter sexual de algumas obras, a saber, Fale com Ela, Meninos não Choram, Má Educação, Navalha na Carne, Os Sonhadores, Anjos Exterminadores, A Última Tentação de Cristo, entre outras, inexistem, nessas, qualquer impedimento moral que desobrigue instituições culturais, com interesses em formar um público de cinema, sem preconceitos, e cidadãos conscientes, que justifique a censura que ora a Casa emprega para selecionar os seus filmes.

O sexo nesses filmes não me parece razão para censurar as obras, muito mais, que eles tratam, com muita seriedade, de outros temas, um tanto quanto delicados, mais indispensáveis. Se eventualmente essas obras têm alguma cena de sexo, são porque essas histórias mostram uma realidade sem máscaras e sem concessões ao fingimento, que reina no mundo de hoje. Se empregam um vocabulário chulo, rejeitados pela decência e pela sensibilidade, é apenas em respeito à severidade de propósitos que a encerram.

O impedimento apenas reduz essa seriedade de propósito, a um imperativo sexual, que insisto, eles não têm. Má Educação, de Pedro Almodóvar, por exemplo, retrata uma realidade que fingimos não enxergar, a da pedofilia, algo realmente condenável, mas não se ouve um comentário repudiando a imoralidade dos atos religiosos, recrimina-se antes a obra, que a denuncia. Meninos não Choram, fala de uma sociedade intolerante a orientação sexual das pessoas que não andam encabrestados como as demais, mas apenas o sexo mostrado no filme, que não corresponde às formas desejadas pela “normalidade” social, é lembrado. Fale com Ela, uma belíssima ode ao amor, coisa rara nos dias atuais, deixa de ser uma lição de tolerância e amor ao próximo, por quê? Sexo, sexo, sexo, sexo, algo que ninguém faz, aparece em alguma cena. Navalha na Carne, obra do fabuloso Plínio Marcos, retrata o submundo da prostituição e a violência nas relações humanas, nada disso parece importar. Será possível que histórias assim ainda se concebam fora de nossos cinemas?

Enquanto interditam essas obras a Casa é parcimoniosa com outras, muito menos incômodas, e seguramente, menos instrutivas. Xuxa e os duendes, As patricinhas de Beverly Hills, High School music cujo objetivo maior, passa ao largo da instrução social, e reinam impune. A exploração comercialesca desses produtos juvenis, travestidos de cinema, recebe total amparo da Fundação em detrimento das legitimas obras de arte, que com certeza têm muito mais a dizer sobre o homem e a sociedade.

Comprometidos em mostrarem a vida como ela é e não como são vendidas nas propagandas, as obras de significativos valores são estupidamente amordaçadas, num atentado as consciências. O alegado conteúdo sexual desses filmes não passa de uma afronta a nossa inteligência. As histórias mostram realidades duras e cruéis, porque retratam realidades duras e cruéis, porque a realidade, em si mesma, é frequentemente dura e cruel.

O cinema, principalmente o dos melhores realizadores, como é o caso desses filmes, distingue-se da pornografia e não são imorais, muito menos ofende a dignidade humana reduzindo-o a um produto perecível, ao contrário, eles mostram, e talvez aí esteja o legítimo motivo da censura, uma realidade que fingimos não existir.

A propósito das razões da censura contra as obras artísticas a maior referência da crítica teatral no Brasil, Décio de Almeida Prado, escreveu: “A censura baseia-se provavelmente em impulsos repressivos mais fundos, menos conscientes... O primeiro, comum a todos nós, é o desejo muito compreensível de negar o mal (chamemo-lo assim, para simplificar o problema). Sabemos que ele existe. Cruzamos diariamente, nas ruas da cidade, com a prostituição, o proxenetismo, o homossexualismo. Mas fazemos tudo para não ver, para ignorar a realidade desagradável... Não se podendo atingir a própria realidade, atinge-se a sua representação... A severidade, no campo limitado sobre o qual podemos influir, compensa-nos das nossas imensas frustrações em relação ao campo rebelde e infinitamente mais vasto da realidade...”

Sobre qualquer pretexto o cerceamento à expressão artística é um retrocesso aos avanços de nossa sociedade. Esquecidos de que o cinema é um importante bem de divulgação cultural e indispensável ao reconhecimento de uma realidade que urge ser modificada, a Casa infringe, em nome de um pretenso acolhimento da sociedade tradicional, as suas funções primárias, que é a de distribuir e divulgar objetos culturais de qualidade. Para fazer isso faria um grande favor abolindo a censura que deixa de fora de seu catálogo de filmes obras essenciais do cinema.

"Às morais de séculos anteriores temos que antepor a coragem de enfrentar a verdade, seja ela qual for".

VESTEM BEM... MUITO BEM.












Essas são de meu agrado. Estas outras também me cairiam bem.

TODA DEFERÊNCIA

O médico chegou. Não era mesmo um médico legítimo de clínica e hospital. Era na verdade um dentista de boca, prótese, ponte e reparos cariados. Isso, no entanto, não importava. Um passo à diante, um degrau à cima, e toda deferência, salamaleques e ritual de corte começava. O mundo agora era o dos sorrisos fartos da conversa solta. De repente, as línguas perdiam todas as travas. Menino assopra o fogo, corta um pedaço bem magro desse lombo de porco, pode pôr mais carne na churrasqueira, o doutor está com fome. Maria arranca uma cerveja do fundo do congelador e traz mais dois copos. Era a primeira vez que eles sentiam o mundo dos doutores. Gente bacana, que se dispunha a frequentar a sua casa. Outrossim, os vizinhos, todos, iriam ver entrarem pela porta, um moço de boa família, formado na universidade, num curso de verdade, não daqueles de fala difícil, muitas palavras e pouca ou nenhuma ação. Veriam todos, e saberiam todos, que ali, mesmo que, não passasse com regularidade o carro de lixo, mesmo que a rua estivesse um tanto esburacada e empoeirada, ou quando chovia era impossível entrar ou sair - graças a deus não choveu - todos veriam alguém importante se dignar a comer em sua casa. E dava gosto ver o doutor comer.