TODA DEFERÊNCIA

O médico chegou. Não era mesmo um médico legítimo de clínica e hospital. Era na verdade um dentista de boca, prótese, ponte e reparos cariados. Isso, no entanto, não importava. Um passo à diante, um degrau à cima, e toda deferência, salamaleques e ritual de corte começava. O mundo agora era o dos sorrisos fartos da conversa solta. De repente, as línguas perdiam todas as travas. Menino assopra o fogo, corta um pedaço bem magro desse lombo de porco, pode pôr mais carne na churrasqueira, o doutor está com fome. Maria arranca uma cerveja do fundo do congelador e traz mais dois copos. Era a primeira vez que eles sentiam o mundo dos doutores. Gente bacana, que se dispunha a frequentar a sua casa. Outrossim, os vizinhos, todos, iriam ver entrarem pela porta, um moço de boa família, formado na universidade, num curso de verdade, não daqueles de fala difícil, muitas palavras e pouca ou nenhuma ação. Veriam todos, e saberiam todos, que ali, mesmo que, não passasse com regularidade o carro de lixo, mesmo que a rua estivesse um tanto esburacada e empoeirada, ou quando chovia era impossível entrar ou sair - graças a deus não choveu - todos veriam alguém importante se dignar a comer em sua casa. E dava gosto ver o doutor comer.

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