A VERBORRAGIA DA ACADEMIA

A poetisa Tania Martins, no Rio de Janeiro: a melhor
FOTO EXTRAÍDA DE SUA PÁG. NA INTERNET


É impressionante como a Prefeitura, o Hospital e a INB patrocinam a Selecta Acadêmica, um material francamente sofrível – e ninguém protesta

ANTES de mais nada, quero esclarecer aqui que não estou fazendo uma análise aprofundada das “obras” publicadas na Selecta Acadêmica, não sou especialista em coisa alguma, pelo menos por enquanto. Limito-me a contribuir para esse blog fazendo o que gosto, que é opinar. Também não é minha intenção rebaixar nenhum dos citados, até porque essa gente já está bem de vida, possui carrões, casas boas, dinheiro etc., e nada perderão com as opiniões desfavoráveis de um pobre-coitado como eu, mas vamos lá.
Eu já conhecia a revista, mas nunca tinha parado para ler atentamente as besteiras que esse pessoal escreve. Confesso que saí do livro horrorizado com o nível dos nossos queridos acadêmicos.
Analiso agora as composições de dois números, 6 e 7, publicados em meados de 2002. Com toda certeza, a Academia não parou de editar novos volumes, que comentarei, com toda honestidade que me é peculiar, posteriormente, assim que devorá-los. (Vou tentar). Mas quero discorrer sobre o que vem a ser propriamente a Academia, quem são seus membros e do que eles falam.
Em primeiro lugar, faltou um certo cuidado da Editora Globo em elaborar as revistas. Ciente de que elas viriam com falhas, logo na introdução, a direção trata de se justificar, citando Dickens, o célebre autor de David Copperfield: “Onde ocorrem mais facilmente erros é na impressão dos livros”. Tudo bem...
Como na tradicional Academia Brasileira de Letras (que negou uma cadeira ao poeta Mario Quintana e a um dos maiores dramaturgo do mundo, Nelson Rodrigues, e a concedeu a Paulo Coelho), em Caetité existem os patronos e seus ocupantes, cadeiras numeradas. Eu quero deixar registrado que sou completamente contra a Academia Brasileira. O fardão já não significa nada mais para mim, depois de disparates dessa natureza terem ocorrido. Em Caetité, somos apresentados aos “Patronos”, gente que, em alguma época, teve um certo prestígio no meio local, em curtas biografias. (Como escreveu corajosamente Paulo Francis, em seu livro de memórias, 1964 – Trinta Anos Esta Noite, “só gente de certa categoria social importa no Brasil”). Aqui acontece o mesmo. Um pobrezinho, lascado, mas que saiba escrever e tenha tino para a coisa, não tem o menor valor em Caetité. Nem adianta! Conheço gente aqui, que mal tirou o primeiro grau, e escreve muito melhor que certos “acadêmicos” que eu vejo aí. Voltando aos acadêmicos: São alguns: Maria da Conceição Pontes, que equivocadamente consta ter falecido em 23/17/1973. (Gente, estamos falando de uma publicação de Letras, Acadêmica, não poderia existir erros tão grosseiros. Dizer que a mulher morreu no mês 17...) , Manoel Teixeira Ladeia (cuja Acadêmica Fundadora vem a ser sua filha, a professora e advogada Jussara Ladeia, de quem antipatizei quando fui seu aluno), Gerson Prisco da Silva, Waldir Cardozo, Emiliana Pita (autora do Hino de Caetité), sra. Idalina Vieira Cardoso, Marion Gomes e por aí vai.
Outra coisa que me chama bastante atenção: Alguns dos “nobres” acadêmicos fazem toda a questão de ostentarem suas formações, seus concursos, como se isso fosse sinônimo de ter talento. Como se isso fosse franquia para escreverem poesia de qualidade. Lamentavelmente, não temos um material de primeira. Um é advogado, o outro é médico, é “Bacharel” pra cá, é “Doutor” pra lá... e a Academia fica a nos dever trabalhos mais apurados e mais bem feitos. Há um “poema” que, dando de barato, é o fim da picada. Trata-se de A Prostituta, de autoria de Dr. Jorge Araújo. O pedantismo está já nas primeiras linhas. Vejamos: “Não cruzarei o Aqueronte nem o Letos / sou um verme”. Ele fala em “balde de lixo em pletora” – sabem o que é pletora? Pesquisem. “Mortos pálidos projetos”. Como se considera um talento múltiplo, Jorge Araújo também publica contos, como O Estrado. Em outra composição ‘poética’, enaltece o idioma de Camões e Pessoa, cita Drummond de Andrade, e diz que “adora as perfeitas flexões / e as mais-que-perfeitas conjugações”. É isso aí. Acabei, curiosamente, de me lembrar de uma música de Caetano Veloso, Língua, talvez a maior exaltação que temos do português. “Da rosa no Rosa / Da pessoa no Pessoa”.
Um pequeno poema – Agora, André Koehne (advogado) botou pra lascar em A pequena Formiga, poema de sua autoria: “Era uma pequena vez (sic!) uma pequena formiga que morava num pequeno buraco, num pequeno beco duma pequena cidade” (...) A pequena formiga legou-nos uma pequena lição: “É uma merda ser pequeno”. É impressionante! Tirem suas próprias conclusões. Eu vou ficar quieto, que é melhor.
Jóias – Agora, há preciosidades. Em minha opinião, a melhor escritora da Academia é uma senhora chamada Tânia Martins. Essa, sim, orgulha a Academia da qual faz parte. Ela escreveu alguns livros, e não é de hoje que os jornais se interessam em publicar sua obra. Que bom ler o que Tânia escreve. Apresento aos visitantes, jóias como Identidade (“Sê estrela do mar se não podes ser luz no infinito / Sê candeia, no recesso de teu ser, se não podes ser sol iluminando mundos”) ou então em Sonhador onde ela indaga: “Que pretendias tu quando brincavas com estrelas se sabias que nunca poderia tê-las? / Por que te consomes no fogo da ansiedade / se tu soubeste que amar (...) é só saudade?”
A vocês que chegaram até aqui, o meu forte abraço e até logo!

REDESCOBRIMENTO PELO LIVRO DAS IGNORÃÇAS DO PANTANEIRO MANOEL DE BARROS


Há qualquer coisa de desconcertante na leitura de, O livro das Ignorãças, do poeta matogrossense Manoel de Barros (n. 1916). Qualquer coisa para as quais as palavras usualmente utilizadas não estão prontas para descrevê-las. Por isso, é preciso, como ele mesmo aconselha botar “delírio” no verbo, “adoecer de aflição” as palavras, desequilibrar a razão, provocá-las, reinventar sentidos para elas, para que aí sim, renovado a linguagem com suas expressões inusuais, ler a sua poesia. Diversa de toda produção poética da nossa literatura, sua obra está no ponto em que a escrita salva e redime-nos de todos os desgastes. Sua preferência pela fala do homem comum, das crianças, e da exaltação da natureza; têm como intenções reaproximar o homem, incapacitado e quase inutilizado, para valorização do que é aparentemente inútil. “Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz”, diz em AUTO-RETRATO FALO, único poema titulado de todo o livro. Ocupar-nos de uma poesia, tão intransigente com a linguagem, renova-nos os sentidos e valoriza nossa percepção do sutil. Deixar-se voar fora das asas, como quer o poeta é, experimentar enxergar sem intermediárias retinas o espetáculo da vida pelo constante redescobrimento das palavras.