Nelson, de volta

Críticas positivas, relançamento de seus livros, campeão de apresentações no Brasil e encenações inovadoras no mundo inteiro, enfim, o prestígio atual de Nelson Rodrigues confirma o que eu sempre tive certeza: de que ele é um extraordinário criador.

Especialmente para

Nelson Vinicius Rodrigues

Desde que eu bati o olho nos quatro volumes do Teatro Completo de Nelson Rodrigues (Edit. Nova Fronteira), e acompanhando as resenhas magistrais do Prof. Sábato Magaldi (da Academia Brasileira de Letras, se é que isso confere alguma importância a alguém), o juízo favorável que fiz de Nelson nunca permitiu que eu o abandonasse, nesse tempo todo. Durante anos, passei pregando no deserto, mas a fortuna crítica desses últimos dois meses atesta o que alguns de meus inimigos debilóides nunca quiseram ver: que Nelson é um monstro sagrado não apenas de nossos palcos, mas de nossa literatura.

Fui duramente criticado, atacado, menosprezado por determinadas pessoas que estranharam em mim o gosto por alguém do “perfil” de Nelson. (“Aquele chato”, “aquele tarado”). Espero que agora, elas abandonem esse mar de ignorância e pulem para meu barco. O sucesso do “maldito” Nelson não existe porque eu quero, não foi uma coisa que eu inventei para justificar meu pensamento. Ele existe porque existe – independente de minha vontade. Eu só faço reconhecer. É o que Nelson mesmo chamaria de “óbvio ululante”. O óbvio que nem todo mundo que se diz pensar pela própria cabeça, enxerga.

Possuo três materiais recentes que garantem a importância e a perenidade do dramaturgo e jornalista. O primeiro, a edição especial da revista EntreLivros – Teatro Essencial. Dos gregos, passando por Shakespeare, por Molière até nossos autores modernos, como Mauro Rasi e Miguel Falabella, Nelson mereceu um capítulo especial, assinado por Marici Salomão. “De reacionário e obsceno a unanimidade nacional”. Aclamado desde os anos 40 ao escrever o hoje clássico Vestido de Noiva, diz ela, N.R. viveria nas décadas seguintes dias de glória, censura e fracasso. Após o período de ostracismo, é agora o autor mais encenado nos palcos do país e considerado o mais importante dramaturgo nacional. Além do texto primoroso, Denise Mota, em “A grande transgressão” explica aos iniciados por que Vestido de Noiva foi um marco, e, dessa forma, modernizando nosso palco. O texto de Marici é enorme, não tenho como reproduzir aqui. Ontem, tive outra surpresa. VEJA, em sua seção VEJA Recomenda, publicou uma única resenha de livro. Trata-se de A Cabra Vadia, supostas entrevistas que ele fazia com gente que tinha determinadas posturas, na década de 60. A Agir está publicando, aos poucos, toda sua obra não-teatral, outrora pertencente a Edit. Cia. das Letras, que não renovou a publicação das obras dele e eu já estou sabendo que ela será a responsável pela publicação de escritores como Jorge Luis Borges e cogita ter em seu catálogo as obras de outro Jorge, Amado. A Agir está pondo nas livrarias edições caprichadas de Nelson. Comprei Elas Gostam de Apanhar e vale quanto pesa. É um prazer ver uma editora nessas condições apostar na inteligência e na contundência feroz de Nelson. Diz VEJA: (trechos) “Celebrado como o dramaturgo que renovou o palco brasileiro com Vestido de Noiva, N.R. foi também um grande cronista, ao mesmo tempo conservador e irreverente. (...) O cronista está em sua melhor forma, debochando dos intelectuais de passeata (...)”. O valor do livro: R$ 54,90. Creio que dentro em breve, esse valor abaixe um pouco. Mas os admiradores de Nelson não questionarão o detalhe do preço, sabem que estão levando para casa algo de importância inestimável.

Vamos agora ao texto que mais me impressionou. A dramaturgia de Nelson no mundo. Uma reportagem de 4 páginas da conceituada Bravo! (mês de janeiro). “Subúrbio Globalizado”, por Carolina Braga (de Barcelona, Espanha). O texto traz peças de Nelson que serão representadas (ou foram, recentemente) de maneira altamente inventiva, com atores estrangeiros e diretores idem. Senhora dos Afogados, por exemplo, foi representada ano passado em Londres. (Our Lady of the Drowned). O resultado da encenação foi sucesso de crítica, apesar de o público ter se dividido entre amor e ódio. Sabemos que o diretor faz da peça o que bem entende. E Kwong Loke pôs uma parede de plástico no centro do palco, para dar ênfase ao plano alucinatório do texto mítico. Em 2004, em Luxemburgo, franceses, portugueses e ucranianos apresentaram O Beijo no Asfalto (Le Baiser L ‘Asphalt). Em 2005, Valsa n. 6 foi encenada na Inglaterra, por Franko Figueiredo. “É algo que pode ser apresentado em qualquer lugar do mundo”, diz ele. Além da Inglaterra, essa peça teve uma montagem na Bélgica e duas na França.

Para a pesquisadora Ângela Leite Lopes, (que mudou-se para Paris para escrever sua tese de doutorado em cima do teatro rodriguiano), autora de Nelson Rodrigues: trágico, então moderno, “o que atrai o interesse estrangeiro para as peças dele é o domínio que o autor tem da carpintaria teatral”. “Para um diretor, o mundo fantástico e imaginário das peças de N.R. sempre oferece grandes possibilidades no palco”, é o que fala Kwong Loke, que quer levar Toda Nudez será castigada a Londres. Franko Figueiredo foi convidado a levar sua companhia, a “Caramel Box” em 2009, e Valsa n. 6, para o Japão.

Isso tudo é o mínimo. Muita coisa boa está acontecendo com o legado de Nelson Rodrigues e eu ainda não estou a par. Trata-se, em última análise, da importância universal de um grande autor, “pornográfico”simplesmente, para muita gente e gênio para os poucos que entenderam sua alma inquieta e gigantesca.