A ARTE DE BAUDELAIRE


Ontem, dia 31 de agosto, completou 140 anos da passagem do poeta Charles Baudelaire, o maior de língua francesa. Seu legado poético, eternizado em um único livro intitulado, As flores do Mal, é o testemunho de uma época de vertiginosas transformações sociais e políticas na Paris do século XIX.

Sobre ele T. S. Eliot escreveu, é o grande arquiteto da poesia moderna e de todos os tempos. Com Baudelaire a poesia torna-se o dispositivo de uma consciência crítica e nevrálgica das questões sociais, ao atingir o mais elevado grau de lucidez e plasticidade visual. Essa percepção da realidade dominará os temas de sua obra que, não se furtará a pôr em nível superior, pela graça dos elementos mais torpes, os temas menos elevados, pois: eis que (ela, a poesia) redime até a coisa mais abjeta,/ E adentra como rei, sem bulha ou serviçais,/ Quer os palácios, quer os tristes hospitais.

Tamanha impostura poética antecipará em meio século os motivos da poesia moderna. É o que entende pelo menos Ivan Junqueira quando afirma: Acima de qualquer outro, é Baudelaire que antecipa não apenas os temas, mas também todo o processo estético da poesia moderna.

Outro pólo de sua obra sem a qual não podemos entendê-lo gira em torno de sua percepção sobre o trabalho do poeta. Baudelaire está sempre aludindo seu oficio as formas de um labor constante.

Teria ele cerca de vinte anos quando começou a escrever os primeiros poemas de As flores do mal. Sem presa, seus poemas foram muitas vezes, depois de escritos, reescritos, provavelmente destruídos, fundidos, refundidos, entalhados, polidos e esmerilhado ao longo de 27 anos, durante os quais amadurece sua concepção estética, nos diz Ivan Junqueira.

Incompreendido em seu tempo, seus poemas foram proibidos de circularem, acusados injustamente de imoralidade. A 15 de junho de 1857 a 6º Vara Correcional, que tempos antes já havia condenado por mesmo motivo Madame Bovary de Gustave Flaubert, condena Baudelaire à multa de trezentos francos, e censura 6 de seus poemas a não mais serem reproduzidos na coletânea das Flores do Mal.

Reproduzimos a seguir um trecho de um dos 6 poemas censurados pela 6º Vara Correcional intitulado Lesbos. Esse nome segundo os estudiosos da obra de Baudelaire seria o primeiro titulo da coletânea de poemas que mais tarde passou a ser chamada pelo poeta de As Flores do Mal. Acreditamos que esse gesto seja a melhor forma de homenagear o poeta, nunca deixando suas flores malditas serem esquecidas.

LESBOS

Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias,

Lesbos, ilha onde os beijos, meigos e ditodos,

Ardentes como sóis, frescos quais melancia,

Emolduram as noites e os dias gloriosos;

Mãe dos jogos do Lácio e das gregas orgias;


Lesbos, ilha onde os beijos são como as cascatas,

Que desabam sem medo em pélagos profundos,

E correm, soluçando, em meio às colunatas,

Secretos e febris, copiosos e infecundos,

Lesbos, ilha onde os beijos são como cascatas!


Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,

Onde jamais ficou sem eco um só queixume,

Tal como a Pafos as estrelas te veneram,

E Safo a Vênus, com razão, inspira ciúme!

Lesbos, onde as Frinéias uma à outra esperam,


Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,

Onde, diante do espelho, ó volúpia maldita!

Donzelas de ermo olhar, dos corpos amorosas,

Roçam de leve o tenro pomo que as excita;

Lesbos, terra das quentes noites voluptuosas,

(...)

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